Quem Fez Poesia? #60 — Mariana Artigas

Confira as trajetórias e as inspirações da poeta selecionada nesta temporada, na Fazia Poesia

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia

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Por tirada por: Jackeline Prado.

Palavras da editora:

Muito se fala do processo solitário que é escrever (e acho, mesmo e também, que essa solidão existe, em certa medida — talvez mais atrelada à solitude?), mas aprecio demais as iniciativas de evidenciar o coletivo que existe nesse ato.

Nesse sentido, ler o Quem Fez de Mariana é lembrar-se de que poesia-escrita-arte é encontro, colcha de retalhos, caldeirão da bruxa que faz poções e alquimias com a palavra.

Somos o tempo todo atravessados pelas escritas dos Outros, pelas interações com o mundo, pelas poéticas que residem em manifestações tantas de Arte. Na terceira margem do rio nós mergulhamos, nas águas de Heráclito nós transbordamos, na fonte das gentes que admiramos nós bebemos, na fonte das gentes que desprezamos (ou, como prefiro encarar, das quais veementemente discordamos) nós regurgitamos (e isso também tem seu lugar e sua importância).

Dar a letra e dar os nomes, expor as travessias que fazemos pelas nossas referências e antirreferências é bom. Eu gosto.

E Mariana faz isso com maestria, nas entrelinhas de seus poemas ou nas linhas deste texto. Feito tecelã e sacerdotisa, vai se revelando pela remissão aos Outros, pela capacidade de conversar com o contemporâneo, de articular o erudito, de produzir (e habitar), assim, uma terceira margem do rio.

Eu gosto. E acho que você, leitor, pode gostar também.

Com açúcar e com afeto,

Ana C. Moura — Editora de Conteúdo da Fazia Poesia.

2015

Uma mulher centauro-escorpiana decide começar a escrever poesia.

Em 2015 e nos anos anteriores eu estava totalmente voltada ao teatro, já que desde os 7 anos de idade participei de cursos e de oficinas teatrais inicialmente para lidar melhor com a minha timidez. Em 2011 nos foi apresentado o poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, que iríamos encenar em um curso livre de teatro do qual eu participava quando tinha por volta de 11 anos de idade. O contato com a obra de João Cabral de Melo Neto foi muito marcante na minha trajetória, pois desde então tomei gosto pela poesia e busquei mergulhar ainda mais na obra poética do autor.

Além disso, durante o ensino médio, no qual ingressei em 2015, tivemos um grande foco em literatura, poesia e dramaturgia, por se tratar de um técnico em Arte Dramática.

Certamente algo que me incentivou foi a produção poética e artística, pois havia muitos concursos de escrita de poesia e de declamação no colégio onde eu estudava, além de projetos literários que reuniam poemas de alunos e de colaboradores que integravam a comunidade escolar.

2018 e 2019

Não escrever para ocupar o lugar de musa, mas sim de sujeito da minha própria história.

Em 2018 comecei a rascunhar alguns versos acerca da minha vida sentimental, vida prática e caminhos a serem percorridos. Ali em 2018 a minha poesia ainda era muito embrionária, e nessa época eu tomava fortemente como referência a mitologia grega e a egípcia, o tarô, assim como a astrologia e as minhas emoções. Todos os meus textos escritos entre 2018 e 2019 ainda estavam guardados na gaveta nesse período, e eu apenas os compartilhava com os amigos mais próximos.

Entre as leituras marcantes de 2018 sem dúvida está a peça Agreste, escrita pelo dramaturgo Newton Moreno. Essa peça foi o nosso TCC. Após eu ter me formado no Ensino Médio, o trabalho foi apresentado no Festival de Teatro de Curitiba, em 2019. Porém, ao final daquele ano, comecei a me questionar sobre o curso que estava fazendo na faculdade, visto que eu não estava completamente feliz.

Um dos livros mais marcantes na minha trajetória eu li em 2019, quando uma amiga me recomendou a leitura de A insustentável leveza do ser (1984), de Milan Kundera.

2020

A partir desse momento começa a busca pela arqueologia da palavra.

No mês de março de 2020, decidi trancar Teatro e fazer uma transferência para o curso de Letras Português-Inglês, no qual acabei ingressando durante o segundo período, mais precisamente em setembro de 2020. Neste hiato, eu sabia que precisaria escolher uma área para me aprofundar mais. Logo, a minha escolha foi a literatura.

Foi no ano de 2020 que descobri por acaso, no Instagram, um poema da Deni Maliska, que publicava seus poemas no portal Fazia Poesia. O que mais me encantou na poesia da Deni foi o fato de que ela escreve muito sobre a mitologia, o erótico e sobre o universo feminino. Claro, eu também já havia lido Rupi Kaur, Audre Lorde, Hilda Hilst, Ana Cristina César, Ana Martins Marques, Ryane Leão, Conceição Evaristo e outras poetas contemporâneas que vieram a me inspirar ao longo dos próximos anos.

Em 2020, entrei em contato com a Deni, e ela me ajudou a criar a minha página no Medium. A partir disso comecei a publicar alguns breves poemas em minha conta. Em dezembro fiz a minha inscrição e participei do processo seletivo para integrar e equipe de poetas na Fazia Poesia, algo que foi como um divisor de águas em minha trajetória, pois comecei a entrar em contato com leitores e outros escritores que também publicavam seus poemas no portal.

Desde então busquei aprimorar cada vez mais a minha escrita e o meu repertório de leitura, e posso dizer que toda essa jornada era impensável para mim até determinado momento da minha vida. Penso que, de certa forma, tudo começou com os poemas da Deni Maliska, que me deram coragem para publicar os meus próprios escritos.

Comecei a perceber que ser uma mulher também implica escrever poemas que tensionem e abalem as estruturas patriarcais; é preciso reconhecer o corpo a partir do qual o poema nasce.

2021

A minha noção de tempo foi totalmente afetada pela pandemia, pois tudo parecia um limbo caleidoscópico sem fim.

Lembro-me de começar a escrever em outros portais de poesia no Medium e de me aventurar publicando meus poemas em revistas online, tais como a Ruído Manifesto (Mato Grosso) e a Palavra Comum (Galiza), e em portais latino-americanos de poesia. Por meio das redes sociais comecei a seguir diversas editoras e páginas voltadas para a literatura. Assim, pude ir conhecendo obras de mulheres inspiradoras.

Inclusive, ainda em 2021 busquei ler os livros de poemas indicados ao Jabuti de 2020, que ficou conhecido como o Jabuti das mulheres. Li as obras de todas as poetas indicadas, com uma ênfase especial aos livros de Jussara Salazar, pois tenho três obras da poeta em minha estante e fiquei completamente arrebatada pelo livro O dia em que fui Santa Joana dos Matadouros (2020).

Em novembro de 2021, eu já havia reunido uma boa quantidade de poemas contendo temáticas semelhantes, ou o que eu chamo de uma linearidade visual e poética, que foi tomando corpo ao longo do tempo. Ossatura sutil (2022) possui um percurso temático que gira em torno das reflexões acerca dos limites da linguagem e do corpo, trazendo dentro si a multiplicidade do feminino, provocando ainda um jogo com o onírico, além de explorar a mitologia e os arquétipos.

Sigo tateando o ar, com as mãos infestadas de sereno buscando tecer uma escrita emocional e feminista, cheia de uma textualidade e repleta de densidade e de leveza ao mesmo tempo, combinando, assim, elementos arquetípicos e oníricos, além de dispositivos corpóreos.

Sou inspirada pelas músicas das cantoras Céu, Marina Sena, Cynthia Luz, Liniker, e também pelas composições de Chico Buarque e Caetano Veloso.

2022 e 2023

A história não desvenda totalmente as mulheres feitas de poesia.

Em abril de 2022, o original que eu havia submetido para publicação foi selecionado pela editora Urutau. A lua minguava em áries quando o pacote contendo os primeiros exemplares do Ossatura Sutil chegou até minha casa, em julho de 2022. Escrever um livro e lançá-lo no mundo foi uma maneira de acreditar que amar e mudar as coisas me interessa mais, assim como canta Belchior. Os primeiros exemplares impressos chegaram até mim quando o Sol atravessava o signo de câncer, uma confirmação de que lançar um livro também é uma forma de parir uma criação.

Assinei as dedicatórias dos livros já na entrada do Sol no signo de leão. Desde então venho fazendo a venda do Ossatura, o qual também pode ser adquirido no site da editora Urutau. Em outubro de 2022, fizemos um lindíssimo lançamento no café Mafalda, em Curitiba.

Em março de 2023 a Aboio Editora publicou em seu site 5 poemas que fazem parte do livro Ossatura sutil (2022). Posso dizer que já estou me encaminhando para a escrita de um novo livro de poemas.

O ano de 2023 foi fortemente marcado pelas demandas acadêmicas, que pareciam nunca se esgotar. Além disso, concluí o meu TCC em dezembro e busco trilhar novos caminhos profissionais. A área de Letras é muito ampla. Confesso que gosto muito da área de educação, porém também tenho uma forte inclinação para o meio editorial.

Virginia Woolf, Annie Ernaux, Sylvia Plath, Clarice Lispector, Aline Bei, Giovana Madalosso, Hilda Hilst, Kafka, Itamar Vieira Junior, Edimilson de Almeida Pereira, João Cabral de Melo Neto, Saramago, Julio Cortázar e Herberto Helder são autores que não podem faltar em minha estante.

Inspirações

Me inspiro muito na poesia de Jussara Salazar, Micheliny Verunschk, Conceição Evaristo, Ana Martins Marques, Rita Isadora Pessoa, Maria Isabel Iorio, Júlia de Carvalho Hanssen, Laura Redfern Navarro e Adelaide Ivánova, entre tantas outras poetas e escritoras que admiro e acompanho.

Entre os títulos que serão lidos nas férias estão: Fia (2016) e Bugra (2021), ambos de Jussara Salazar. No espaço, com Lygia Pape (2023), de Veronica Stigger. De uma a outra ilha (2023), de Ana Martins Marques. A morte também aprecia o jazz (2022), de Edimilson de Almeida Pereira. Terebentina (2023), de Alexandre França, Olho reavido (2022), de Luci Collin e Forte como a morte (2023), de Otto Leopoldo Winck.

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