Quem Fez Poesia? #54 — guímel bilac

Confira as trajetórias e inspirações do poeta selecionado nesta temporada na Fazia Poesia

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia

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Palavras da editora:

Guímel divide o sobrenome com um poeta parnasiano, mas, diferentemente de Olavo, recusa a atribuição de título de “príncipe dos poetas” e não se propõe a ficar no monte Parnaso, na torre de marfim.

Porque partilhar sentimentos e visceralidades na arte de esmerilar, de dedilhar as palavras implica uma entrega ímpar. Falar de amor é mostrar-se vulnerável, e mostrar-se vulnerável requer certa dose de humildade.

Afinal, é pôr o próprio corpo pra jogo no mundo, à disposição da poesia e de seus mistérios, e de seus conflitos. É júbilo, memória, noviciado da paixão, para aludir ao título tão bonito e emblemático de Hilda Hilst.

Sensível, profundo, complexo, à flor da pele, o poeta da FP escreve “o que não tem vergonha, nem nunca terá / O que não tem governo, nem nunca terá / O que não tem juízo / O que não tem medida, nem nunca terá”. É exagerado à la Cazuza — uma dádiva a quem o lê.

De sua poesia amalucada, definição de Guímel sobre a própria poesia, é como se o autor entoasse: “Eu vou ficar, ficar com certeza maluco beleza”. Assim como acontece com ele, canções também me atravessam, o que talvez explique, em parte, as várias referências musico-poéticas deste artigo como um todo.

Ainda bem que dos poemas de Guímel exalam ecos de armas químicas e poemas. E músicas, poetas, músicos, poesias, sempre.

Com açúcar e com afeto,

Ana C. Moura — Editora de Projetos da Fazia Poesia.

A culpa é do Renato!

É isso mesmo. Era 1989 quando uma irmã minha por parte de pai me apresentou o álbum Dois, da Legião Urbana. Eu tinha 13 anos de idade, estava entrando na adolescência e, desde essa idade, já era muito introspectivo e mergulhado em mim mesmo.

As questões de autoestima baixa e classe social e o fato de perceber, nas convivências sociais, que às vezes as diferenças criavam um muro de Berlim invisível entre as pessoas, me fizeram criar um modus operandi de mastigar a vida com os pensamentos, ruminar, tentar entender pra conseguir me explicar.

Foi quando o segundo álbum do Legião me foi apresentado e eu fui tocado pela música Andrea Dória, que eu comecei a escrever.

Constante itinerante

Nasci em 1976, filho de um policial militar e de uma dona de casa. Cresci vivendo uma vida itinerante e morando em vários lugares deste Brasil. Nunca consegui criar raízes ou laços afetivos duradouros. Quando uma amizade começava a se fortalecer, a gente mudava de cidade e lá ia eu, de novo, começar tudo — de novo!

Ainda na adolescência, percebi que o casamento dos meus pais era muito disfuncional. Eu não conseguia olhar pros meus pais e ver duas pessoas que se amavam, mas eles, sei lá por que cargas d’água, continuaram juntos até que meu pai falecesse — suspeito eu que por conveniência. Viver nesse ambiente tornou a visão do que era amor uma coisa manchada pra mim e, eis aí, o que permeia tudo o que escrevo: a falta de amor, a procura por amor, a pluralidade e a subjetividade do amor. Eu escrevo ou sobre minhas faltas ou sobre meus excessos.

Era 1990

A primeira vez que me lembro de ter escrito na vida foi aos 13 anos. Escrevi uma crônica sobre viver num país que acabara de sair de um regime militar, que mal tinha se alegrado de escolher um presidente via processo democrático e que vivia num ambiente de inflação alta, moeda desvalorizada e poupanças confiscadas pelo presidente-galã, que se apresentava como caçador de marajás. Escrevi sobre a vida muitas vezes se apresentar como um conto de fadas, um comercial de margarina e, repentinamente, se apresentar como realmente é.

A poesia entrou na minha vida em forma de música. Faço eco a Fernando Pessoa, quando diz que toda poesia — e a canção é uma poesia ajudada — reflete o que alma não tem. Ele disse que “por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste”. Minha adolescência e início da minha vida adulta foram permeadas — e são até hoje — por Renato Russo, Adriana Calcanhotto, Humberto Gessinger. A música, de certa forma, foi minha ponte pra escrever, pra falar sobre o que minha alma não tem.

Escrever e correr pra dentro

Eu penso que de fato eu não sei quem sou e a escrita não me explica, mas me consola e, no máximo, me dá uma pista do que eu procuro e de como amo ou lido com o amor, que talvez seja a minha maior obsessão, quando escrevo. Querendo ou não, escrever sempre terá pra mim um efeito terapêutico e foi graças a esse movimento psicológico de usar a escrita para escrever e afastar-se — ou abraçar mais ainda — que eu comecei a escrever quase que diariamente após um divórcio.

Fazia Poesia

Comecei no Medium escrevendo crônicas e foi na plataforma que conheci o portal Fazia Poesia. O jeitão conceitual do portal e a diversidade da equipe me fizeram querer ingressar na equipe, o que aconteceu em janeiro de 2021. Escrever poesia pra FP “subiu o sarrafo”, também, pro meu jeito de escrever crônicas, onde passei a margear a prosa poética, passando a escrever crônicas, de certa forma, mais híbridas — ou enlouquecidas.

Nesse pouco mais de um, posso dizer que agora que me sinto crescendo mais no gênero, como se tivesse começado a achar minha voz poética.

Deitado sobre o exagero

Chamo minha poesia de poesia amalucada. Brinco comigo mesmo que sou um poeta punk, alguém que acha que sabe escrever poesia, mas eu não sei se sei. Às vezes digo que é e, muitas vezes, digo que não, algo no qual, curiosamente, tenho um estranho conforto em dizer que não sou um poeta, mas, se disserem que sou, não nego.

Eu sempre fui muito emocionado (minha namorada diz que “emocionado não, intenso.”) e lembro que, nas trocas da vida, isso já afastou muitas pessoas. A poesia me dá — desculpe a redundância — licença poética para ser exagerado, sem ter que me justificar por nada. É isso que acho bonito na poesia, porque assim como Rookmaaker disse que “a arte não precisa de justificativa”, a poesia também não precisa. Nem de justificativa, nem de explicação, nem de ser absoluta, nem de se esgotar ou se resolver, nem de ponto-final, nem de interrogação. A poesia, pra mim, faz a gente olhar pra loucura — e eu julgo que todo mundo é louco — e dizer: olha que bonito isso, apesar de esquisito.

A culpa é do Renato, da Adriana, do Gessinger, do Pessoa… da vida.

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