Quem Fez Poesia? #40 — Conheça DEBORA COSTA

Confira as trajetórias e inspirações da poeta selecionada nesta temporada na Fazia Poesia

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia

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Palavras da editora:
Debora escreve como quem vive. E viver não é pouca coisa. Entre as muitas, é a capa, a contracapa, a beleza da contradição, é negar a si mesmo, é encontrar-se e perder-se, é romper com os maniqueísmos, é destilar(-se em) mil e uma noites de si e, assim, virar caleidoscópio, ora mosaico colorido, ora quase um enredo sombrio e perturbador de Fragmentado.

Escrever como quem sente fúria e desejo patentes e vai se inscrevendo junto, deixando poeiras de si por aí. Escrever como quem vive à flor da pele e como quem vive o exercício-desafio da entrega aos mistérios. Escrever como quem pulsa.

Em respeito à abdicação que Debora mesma expressa neste texto, não ouso chamá-la de poeta, muito menos de poetisa. Talvez todas essas titulações mais convencionais sejam mesmo muito limitadas para dar conta da profundidade semântica do que ela faz. Afinal, como nomear o inominável que existe na potência?

É, talvez o mais adequado seja, então, chamá-la de aquela que escreve e ponto-final. Aquela que é “o cheiro dos livros desesperados” — na voz e na presença de Bethânia, é claro. Não à toa, também parece muito mais adequado intitular a escritura poética dessa autora como o conceito que (não) se encerra em um álbum completo. Festa, Amor e Devoção.

E aí, de tríade em tríade, forma-se mais uma quando falamos do que ela escreve, isso de se deparar com os substantivos desdobramento, transbordamento, derramamento, que se vertem verbos, posto que se põem em movimento.

Desdobrar-se: dar os próprios pulos para receber, de portas abertas, tapete vermelho e chá (ou café, como queira) na chaleira, a inspiração, lembrete da manifestação da ancestralidade que exala. Dobrar-se e desdobrar-se. Dobrar as roupas e ver graça nos vincos que amarrotam a camisa de linho. Virar-se, às vezes, do avesso. Acordar, a cara amassada, olhar-se no espelho e ver graça nos vincos do tempo que vão se mostrando sobre a pele.

Transbordar: costurar-se nas teias, com a intimidade de uma bordadeira com uma colcha de retalhos. Ser a teia e o tecido, a linha e a agulha. Palavra e/é tessitura. Esquecer a água do chá na chaleira e observá-la borbulhando até ultrapassar os limites de aço inox. O líquido que não cabe porque sobe, e sobra, e se expande, e dança. Porque viver não é mesmo pouca coisa.

Derramar: é o que Debora faz, ao escrever aqui ou acolá, em prosa ou em verso. É o que eu desejo que vocês façam também, ao ler o que ela escreve. Que, assim como ela, vocês abracem o convite de mergulhar no profundo, abandonando o medo que nos faz só molhar a pontinha do dedinho do pé ou viver de marolinhas. Que o processo de derramar-se, encharcar-se, afogar-se e deliciar-se nos seja sempre oceânico.

Poeticamente,

Ana C Moura— Editora de Projetos da Fazia Poesia.

Uma menina, seus cadernos e os mesmos olhos

Quando eu tinha uns cinco anos, rabisquei umas coisas em um papel, tentando imitar a letra da minha irmã. Corri para ela e perguntei: “eu escrevi?”. Ainda não era hora, mas alguma coisa me inclinava a entrar nesse universo letrado. Língua portuguesa era uma das minhas matérias favoritas, em especial redação. Mas a liberdade da leitura e da escrita eu só sentia quando escolhia um livro autonomamente e me deliciava com ele.

Lembro que, com uns nove ou dez anos, eu comecei um caderno em que copiava poemas dos livros que lia. O primeiro era do Ferreira Gullar, “Dois e dois são quatro”; o segundo, “Ismália”, de Alphonsus Guimaraens.
Eu tinha essa mania — e não é que recomendo, mas aceito meus excessos — de ler coisas que não eram da minha idade. Li Macunaíma, Menino de Engenho e outros “eitas!” — sempre conseguia passar com o livro proibido pela bibliotecária. Como eu disse, não recomendo, mas, ao menos, eu dava vazão ao meu curioso desejo pelo mistério das palavras e do mundo de gente grande que não me explicava nada direito. Na mesma época, também me dedicava a escrever uns poeminhas, dando as mãos para a escrita.

Na adolescência, os poemas viraram letras de músicas que eu nunca tocaria. A melancolia, a rejeição, a inadequação tornavam qualquer adolescente da época um pouco emo, um pouco Fresno com My Chemical Romance.
E, assim, eu voltava nos ônibus da escola, me debruçando sobre aquilo que eu não conseguia verbalizar.

A faculdade de psicologia foi um divisor de águas da minha relação com a escrita e a leitura: se foi ali que comecei meus blogs anônimos de zero visitantes, a academia também foi responsável por me exaurir com leituras, enfraquecendo meu laço com a literatura, que, infelizmente, nunca mais foi o mesmo. Até hoje, luto para retornar um hábito de leitura saudável e além do acadêmico. Já a escrita só ganhou mais força e espaço, consolidando-se como parte do meu sagrado.

Navegando, navegando…

A forma como eu me expresso em poesias e outras formas literárias acompanha meu processo de amadurecimento. Consigo mapear cada fase da minha vida pelas coisas que na época escrevia. Isso eu acho bonito, essa eternidade dos versos, mas também a efemeridade deles caso eu aperte delete. Com alguns, foi adeus.

Entre porres, amores inventados e muita dor não trabalhada, os frutos da minha escrita dos dezessete aos vinte e dois anos é repleto de projeções, desejos e um quê estranho de certeza.

“(…) Contaram,
que te deixei em pedaços
mas te libertei,
do meu pouco
seu sorriso hoje
é minha absolvição
ali não se faria,
um amor (…)”
/2014

“(…) O calor junta o meu suor e o seu. Ele nos consome. E também nos perdoa pelo tempo perdido, tornando natural que a gente converse sobre as nossas mágoas bem ali, entre desenhos e recordações (…)” /2014

Dos vinte e três até agora, aos vinte e sete, vejo uma ampliação dos temas que me tocam, inevitavelmente relacionados aos mergulhos da alma para os quais me abri. Se antes a escrita tratava principalmente de mim com o outro, hoje ela trata principalmente do eu-comigo. Sou meu palco. Ainda assim, repenso minhas relações nos versos, teço sobre o amor ao meu companheiro, grito minha revolta com o horror social, expresso minha relação com a umbanda e espiritualidade e dou umas cutucadas, já que não posso jogar umas bombas.

“(…) Eu rio porque sei
que essa também é uma forma
de me manter no centro, em destaque
dentro da falsa simetria
de ver tudo pelos meus olhos (…)”
/2018

“que bela contradição
é ser minúscula e imensa
um cisco no universo
e única em minha existência”
/2019

“ (…) eu invejo os sonos despidos de memórias repetidas
então eu pego os paninhos e limpo e limpo
o perdão que nunca vem completo
o ainda não sei do âmago
o me acostumei a trabalhar assim (…)”
/2020, esse foi publicado na FP, bem aqui

“(…) a tua palavra é tecida
fio a fio
eu achei ouro ao te ter
fiz coroa
sou tua rainha (…)”
/2021, também publicado aqui

Do caos à forma

A sobrevivência daquilo que em mim vibra só começou a ser conquistada quando firmei meu lado não academicista. Então, métricas e regras do que é ou não poesia não me interessam. Discussões sobre isso acabam com a minha libido. Meu tesão é deixar nascer as palavras como querem, quando querem e, se para isso preciso recusar o título de poeta, abdico, até porque com ele não me identifico. Não me soa bem, entende? Nem mesmo poetisa, não me comove. Garboso demais.

A inspiração tende a ser aleatória, mas, em geral, os antecessores dela costumam ser o sentimento, a reflexão, a contemplação ou o êxtase. Hoje em dia, geralmente jogo os versos no próprio celular, salvo quando estou com o caderno moleskine por perto, aí é na boa caneta ou lápis.

É comum o parto do poema ser natural e rápido. São poucos os que nascem a longo prazo. Eu consigo escrever um tema dado, porém sinto que não é tão bom, nem tão vivo. Quando leio algo da Clarice (Lispector, só quis fingir intimidade), é um tipo de linguagem que me atravessa. O conto “Perdoando Deus” me ALUCINA. É de uma profundidade, de um existencialismo, de uma coisa que olha… me revira. Maria Bethânia me inspira também, tenho até este poema aqui, nascido após ouvir uma música interpretada por ela.
Muitos outros artistas, da música, das artes visuais, da literatura, do teatro e cinema acabam me inspirando, pois me tiram do estado mecânico, bruto, para me pôr no estado contemplativo, hipnótico, o gozo da vida. Não sei viver sem esse estado, sem a arte, sem a beleza, sem o choque. E o que vivo, o amor, as delicadezas, os tropeços, a tensão, a luz e a sombra também constituem a minha escrita.

A Fazia me fez

Um dia, eu me cansei de escrever para ninguém e fui procurar locais virtuais que publicavam poesia. Achei a Fazia. Estava em chamada aberta e me inscrevi. E foi aqui que tudo tomou estrutura, encontrei uma comunidade aberta, gente no mesmo barco que eu. Eu sou mais na minha, não tenho dificuldade em socialização, mas sim com grupos virtuais. Admiro muito essa publicação, todos que estão por trás dela, a diversidade e tudo o que ela possibilita. Muita coisa legal acontece por aqui, uma delas foi a Antologia do ano passado, em duplas, da qual eu e meu colega Hermes de Sousa Veras participamos.
Além do poema que integrou a antologia, acabamos criando mais um, publicado aqui na Fazia. Foi uma experiência fantástica.

Pra onde sopram os ventos

do meu insta, @colagemsolta

Além de escrever poesias e afins, eu estudo teatro há dois anos e meio.
É uma expressão artística que me identifico e na qual exercito a escrita de dramaturgias. Além disso, faço colagens manuais e digitais no insta @colagemsolta. Às vezes, uno a poesia com as colagens, e vice versa. O uso das colagens veio porque acho elas mais irracionais que a escrita, então o imagético dialoga com meu inconsciente de outra forma.

Farei mais uma formação em breve, em arteterapia. É como se tudo fosse convergindo, conversando, aproximando. Hoje, aqui em Curitiba, sou terapeuta holística e trabalho no serviço público como psicóloga. Dos versos, não abro mão: temos esse relacionamento aqui falado, sério, leve, profundo e que se transmuta sempre! Quem curtir, me acompanhe por aqui e lá no insta de colagem.

Axé,
Debora.

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