O barato que sai caro

flavia alvs
3 min readJun 23, 2020

Ensaio sobre a obra Contra Amazon de Jorge Carrión.

O que estamos deixando escapar, como consumidores conscientes, quando compramos algo que não é banana a preço de banana? É justamente essa charada e suas implicações que Jorge Carrión denuncia na obra Contra Amazon, lançada no Brasil pela Editora Elefante. O livro já se encontra no site da editora e nas grandes livrarias da cidade, que nas palavras de Alberto Manguel, são “as pequenas”.

Livros não vendem como cerveja, isso é fato. Principalmente, em um país com graves deficiências educacionais, onde a média de leitura não passa de cinco livros por ano, de acordo com último levantamento do Instituto Pró-livro, em 2016. Por essas e outras, é talvez compreensível que escritores e algumas editoras indiquem o site da Amazon, pelos preços pornográficos e praticidade de aquisição, antes de se recordarem das livrarias do bairro e da cidade onde moram.

O que parece que escapa do leitor, dos autores e, inclusive, de alguns profissionais do mercado livreiro, é o efeito dessa memória imediata que associa livros à Amazon, como se esta fosse efetivamente uma livraria, e não um hipermercado. Um efeito de ordem abstrata que se desencadeia no apagamento concreto de livrarias de rua, sebos e bibliotecas, uma vez que optamos por descontos ao invés do valor imaterial desses espaços de leitura.

Em vista disso, Jorge Carrión preenche boa parte de Contra Amazon com ensaios sobre esses quase templos que todo bom leitor tem em sua memória, uma memória mais distante, menos poluída de cookies, fruto de experiências físicas de compra felizmente “ainda” impossíveis de se replicar digitalmente.

Lugares onde os funcionários chamam os clientes pelo nome e que, inclusive, leram boa parte dos livros na prateleira. Trata-se do trato humano no universo livreiro, algo que está sendo extinto pela gigante transnacional de Jeff Bezos, não por menos, um dos homens que mais enriquecem com o delivery em meio à pandemia.

É fato que, hoje, não podemos viver em sociedade sem dançar conforme a música Google, Facebook, Amazon, etc. Somos filhos de um tempo, e o tempo é capitalista. No entanto, apesar do mercado nos ver como meros consumidores ou consumidores em potencial, ainda somos pessoas, e portanto, capazes de uma resistência mínima e necessária chamada “consumo consciente”. E é sobre isso que se trata a leitura da obra de Jorge Carrión — compreender as implicações de uma compra de livros via Amazon e de que forma podemos minimamente segurar a mandíbula de Jeff Bezos sobre nossas cabeças.

Não que o livro não seja um produto, ele é. Mas não é só. Um livro é sobretudo uma ferramenta de transformação social, um objeto de estudo e um amplificador de ideias. Isso, claro, se os livros certos chegarem às mãos ideais. O que nos remete a outra questão: se somos o que lemos, é no mínimo delicado entrar em um site e nos deixar levar pela predileção invisível do grande Big Brother, que tudo vê e sabe, pela coleta sistemática de cliques e dados.

Estaremos caminhando, apaziguados pelas promoções, para um mundo futuro onde leremos o que todo mundo lê ou ainda (e mais assustador) o que querem que todo mundo leia? Um mundo sem sebos, bibliotecas e livrarias de bairro? É possível que sim. Assim como a leitura de Contra Amazon, de Jorge Carrión, é um tipo de mínima resistência possível a esse futuro.

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