flavia alvs
3 min readNov 13, 2019

--

Patti Smith e Robert Mapplethorpe

Eu comecei a tomar gosto por livros através de biografias quando eu era garota. De alguma forma, quando se é garoto, é importante procurar por “modelos” onde quer que estejam, seja em livros, nos discos ou em ideologias que a gente ainda não entende, mas finge que entende e tudo bem. Depois passou, parei com as bios. Li outras coisas, vi bastante merda e francamente, nos últimos dois anos, quando comecei a escrever com alguma disciplina ou por dinheiro, nunca li tão pouco em toda a minha vida. Tudo isso para dizer, eu estou destreinada e isso é um ensaio, uma resenha sobre “só garotos” da Patti Smith, e você não precisa concordar comigo e nem achar isso aqui bom.

O livro da Patti chamou a minha atenção na estante da livraria pela capa, uma capa metalizada prata e vermelha. Nela há uma fotografia PB de um jovem casal num parque de diversões exatamente naquele momento da vida que parece que nada pode dar errado. Um pouco abaixo e sobre a imagem, numa tira elegante, vermelha, lê-se: Patti Smith, e mais embaixo e em letras minúsculas, o título: só garotos. Decidi comprá-lo porque, bom… De alguma forma tá na moda saber quem é ela e além do mais, como eu imaginei, essa bio me sugeriu ali, no meio da livraria, uma boa história de amor. E quem não gosta de histórias de amor?

Essa obra é uma homenagem a um tipo de amor irresponsável e imenso, que tanto traumatiza quanto proporciona alicerces sentimentais para toda uma vida. Um tipo de amor que só garotos conseguem viver, justamente porque, nesse período, sente-se mais, sabe-se muito menos e o mundo até parece ser um lugar bem bom ou pelo menos conquistável.

Smith conta que, num belo dia, enquanto passeavam ela e Robert Mapplethorpe, esse foi o garoto, uma turista em Nova York apontou sua câmera:

_ Olha, artistas!

E o marido da mulher respondeu:
_ São só garotos, vamos embora.

E o livro é belo justamente por causa desse recorte sutil que a autora faz sobre esse momento, onde se poderia olhar para uma Patti Smith e um Robert Mapplethorpe e achá-los um casal bonito, diferentão e nada além disso. O retrato de dois garotos, um casal, que sim, pareciam artistas e seriam grandes artistas, apesar de ali, naquele instante, serem sobretudo, só garotos.

Para quem gosta de cultura beatnik, o livro conta com um glossário especial ao fim da narrativa com todas as referências de livros e pessoas e filmes que parece que a gente tem que saber, e pode ser até que alguém venda essa obra pela reverência a essa fase cultural, que a autora faz. Mas não se enganem, o tesourinho ali é mais embaixo, tão mais escondido que, mesmo Smith, parece que se acanha quando coisas efetivamente complexas da sua juventude se revelam na trama, por exemplo; quando conheceu a primeira pessoa gay na pele do garoto que ela amava e que a amava também.

Como será que foi vê-lo se prostituir como uma forma de dar vazão a essa homossexualidade mal-compreendida por ele no início, justificando para ela e para si que fazia pelo dinheiro do aluguel. Como foi ouvir ele dizer: se você for embora, eu viro gay. Como terão sido seus equivocos, sua dor, sua culpa e, principalmente, de onde tirou tanta força para partir por ela e voltar por ele, tantas e tantas vezes até que ele a deixasse de vez?

Patti Smith não vai além do encadeamento dos fatos, mesmo em passagens terríveis, ela os conta feito coisas que aconteceram e carregam o seu valor por terem acontecido.

Mas por que então eu recomendo essa biografia a quem quer que seja?

Porque é uma lindíssima historia de reconhecimento sobre o que se pode ser em vida, se caso se queira muito algo, e as coisas boas e ruins que acontecem, seja a gente uma Patti Smith da vida, seja a gente só garotos.

--

--