isso sou eu

Penha Souza
Fazia Poesia
Published in
5 min readMay 12, 2021

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PRIMEIRO ATO

imagem da autora

isso sou eu

uma camada de ar
insistente
que garante que o toque
não alcance a pele

uma lágrima imprudente
que faz em mim
sua nascente
e me lembra
que eu prefiro morrer
do que chorar perto de certas pessoas

um aperto no peito recorrente
que de tempos em tempos
traz a salgada lembrança:

eu estou sozinha

um formigamento na face
na noite de angustia

a ansiedade acaricia meu rosto

um tremor repentino
que toma todo o corpo
fazendo soar frio

o medo incontrolável
e irracional

o desespero da perda de controle

um nó na garganta
que tranca minha voz
mas não cala a minha mente

um lembrete necessário
quando o oxigênio faz queimar:

inspirar

e

expirar

uma queimação no estômago
que irradia pelo corpo

a necessidade de
um pouco de paz
se traduz
em uma guerra
envolvendo todas as coisas
que eu não consigo digerir

a incerteza em ser o que sou

num reconhecer-se
sem saber se descrever
num resistir
sem saber como existir

momentos de fala nervosa e ininterrupta

intercalados com longos momentos de silencio
em uma eterna procura de palavras que expressem
o que eu ainda não sei o que é

um cansaço persistente
que ocupa corpo e mente
e me impede de chegar
em qualquer lugar

fico ausente, mesmo presente:

em falta comigo mesma

dores, temores, tremores
impulsividades e covardias
fobias, medos bobos
apatias e sensibilidades

e no meio de tudo isso
um eu: que hora é plural
hora é singular

e que em todas as horas é:
um eu preterido
pelo próprio eu;

um eu imperfeito
não muito diferente
de todos os outros “eu”

eu?

SEGUNDO ATO

imagem da autora

isso sou eu?

a descrição de sintomas
mentais e físicos
que surgem como resposta
a todas as dores que eu
tento manter internas?

esperando tratamentos alopáticos
para o que só pode ser remediado
através do enfrentamento?

a covardia de quem
ignora todos os problemas
não por acreditar que assim
talvez seja mais fácil

mas por não acreditar
na própria força?

que força?

construir uma forca mental
e pendurar-se pelo pescoço
e forçar-se a engolir
sequencias de acontecimentos
amargos demais?

e perceber a pequenez diante de tudo

e tudo parecer demais?

gastrites?
crises ansiosas?

o que mais?

faltou mencionar
o guardar de rancor
que chega a ser crônico

faltou mencionar
o temperamento explosivo

faltou dizer
das dificuldades de amar

que se os sintomas
fazem parte
disso que sou

faço parte também
das causas

faço parte também
das reações

que se sou os ácidos
produzidos em excesso

sou eu mesma
um tanto de excesso
que o meu eu não consegue
exprimir: que não consegue expelir
que não consegue digerir e deixar seguir

que se sou tremores ansiosos
que abalam meu corpo e mente

sou eu mesma
deslocada do presente
tentando enxergar um futuro
quando tudo que eu vejo
parece se desmontar

num processo que me atinge
com tanta força
que me força a perceber
que o que se desmonta

sou eu mesma

que se sou tomada por incertezas
que me desconjuntam de mim

sou eu mesma
que questiono a todo momento
sobre o que eu sou
sobre o meu lugar no mundo
sobre o próprio mundo

e tudo parece grande demais
perto das pequenas verdades
que eu consigo extrair
desses embates
que sempre me deixam derrotada
que sempre me fazem ver
cada vez mais pequena

que se sou eu
que poderia ser além disso?

que se sou isso
seria “isso” suficiente?


se isso sou eu

sou eu suficiente?

suficientemente:
eu?

TERCEIRO ATO

imagem da autora

falo de um eu
que eu nem sei
se conheço

falo de um eu
que eu tento
a todo momento
me convencer
de que estou
descobrindo

e a cada momento
que eu penso
estar mais perto

e a cada momento
que eu penso
estar conseguindo
enxergar

me percebo mais desfocada

reconheço
as redomas em minha volta

são camadas
sobre camadas

e quando eu rompo uma delas
me percebo
inevitavelmente
ainda presa

ainda distante
de eu mesma

ainda insuficientemente
eu

minha pele
teme que
qualquer toque
me desintegre

argumento a todo momento
internamente, insistentemente:
as camadas são necessárias

que todas essas camadas
são proteção

e o preço
que eu pago
para me sentir protegida

é me sentir:

intocada

abraçar
e os braços
parecerem
sempre curtos demais

beijar
e o desejo
parecer
sempre longe demais

respirar
e o ar
parecer
sempre pesado demais

tocar
e o tato
parecer
sempre desconectado demais

desconexa
de um eu
que se corrompe

que mostra uma imagem
que é diferente
do que eu sou

que mostra uma imagem
que é diferente
do que eu tento ser

um eu
falho

em uma busca
continua
que me leva
para a constatação

talvez

de que eu seja isso mesmo

falha

FATAL ERROR

tão defeituosa
quanto as imagens
que eu gosto de editar

que são propositalmente
expostas, corrompidas

imagens com erros
que eu cometi:
por querer

e talvez isso seja eu

corrompida pelas minhas próprias ações
ou pela falta de ação

pelo querer
ou pela falta do querer

pela apatia
pelo medo
pela covardia

pela raiva:
contida ou
incontida

um eu contido
comprimido
espremido

repicado
deturpado
desfocado e:
replicado
em cores

repetido
e sobreposto

exposto:
e ao mesmo tempo

distante do que é real

seria isso então?
a manipulação de defeitos
na intenção de uma aparência
que eu considere legal?

eu:

um erro proposital

inevitavelmente:

fatal

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Arquiteta Urbanista; Interessada pela arte no urbano; Pesquisadora de graffiti; 31 anos; Poeta desde antes de me entender por gente. @penha_sz . Tudo é ficção