PROGRAMA DE OFICINAS

EXPOSIÇÃO | De Bashô a 2021: uma jornada pelas sendas do Haicai

Confira o que foi apresentado, o que foi produzido e quais foram as experiências na oficina on-line ministrada pelo poeta Heberton Baptistela em junho de 2021 na Fazia Poesia

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Com base em quatro perguntas-guia que nortearam os encontros, trabalhamos as questões acerca desse pequeno registro poético de um instante que, em três versos, consegue capturar as sutilezas de ordens naturais. Poesia essa que, tão difundida no Brasil e no mundo, tem uma beleza sutil e de intensa profundidade, não só para nós, da Fazia Poesia, mas para tantas outras pessoas.

Nos encontros aqui apresentados, abordamos brevemente a origem do haicai, passando pelas definições e compreensões essenciais até chegar no que acontece hoje, ao nosso lado. Orientados pela experiência do ministrante, nós da Fazia Poesia acreditamos que a oficina se concretizou como uma forma de ensinar, praticar e estimular qualquer pessoa a escrever poesia e, nessa ocasião em específico, o haicai.

O resultado disso tudo você confere ao longo deste artigo.

ENCONTRO 01

O encontro inaugural da segunda edição desta oficina se deu pela apresentação dos participantes ali presentes, seguindo pela introdução da história do haicai no Japão e passando pela trajetória dos três primeiros grandes Haijins: Bashô, Issa e Buson.

Ainda, neste primeiro encontro, trouxemos grandes refêrencias e exemplos dos nomes que víriamos a trabalhar posteriormente, como Masuda Goga e Terudo Oka.

O encontro foi finalizado com um proposta de haicai ao estilo clássico, influenciado por

Heberton (ministrante) apresenta uma imagem representativa sobre as derivações do haicai

ENCONTRO 02

O segundo encontro, por sua vez, foi marcado pela passagem aos nomes de Yosa Buson, Kobayashi Issa, Masaoka Shiki, dentre outros haicaístas, chegando, então, ao haibun, forma explorada de maneira inédita em nossa oficina de haicai.

Assim, finalizamos com a história e apresentação do haibun, seguindo pela proposta de exercício prático.

slide representativo de introdução ao haibun

ENCONTRO 03

Já no encontro três, apresentamos como se comporta o haicai hoje no Brasil: onde é publicado, como vem sendo feito, novas estruturas, quem são alguns dos autores contemporâneos, entre outras repercussões curiosas.

Finalizamos com uma proposta prática em um exercício literário apoiado sobre os conteúdos do primeiro, segundo e terceiro encontros.

exemplos de haicais do poeta Pedro Xisto

ENCONTRO 04

Por fim, no quarto e último encontro, reservamos o horário para lermos e estudarmos o conteúdo resultante do exercício proposto no terceiro encontro, com enfoque em ler e comentar a produção poética escrita pelos participantes, ou seja, um breve e reservado sarau.

O encontro foi marcado e finalizado pela leitura de haicas e haibuns dos participantes que presenciaram o último encontro.

participantes sorriem ao falar sobre a palavra “convescote” (que é um sinônimo de piquenique) |
em ordem linear: Maduse, Alex Zani, Guilherme Aniceto, Larusso, Álvaro Duarte, Ian Caetano, Jana Costa, Francisca Sousa e Ana Mendes.

PRODUÇÕES

A seguir, algumas produções dos participantes da oficina.

A começar pelas produções de Álvaro Fonseca Duarte:

Tradicionais — estilo Bashô/Issa

As araucárias choram
Primeira chuva de inverno
Caem os pinhões.

.

O João-de-barro
Cantando lá na paineira –
Bom tempo amanhã.

.

Salada de frutas
Convescote vespertino –
Grande maçã sorri

Senryu

O frio de suas mãos
Em minha face desperta –
Universo em nós.

.

Dançando quadrilha
Em volta da fogueira –
Me falta um par

.

Do pé de cachimbo
Colho um cacho verdinho
Fumo só a tardinha

Haicais a meu estilo

Corpos dançam
Pela manhã
Você se esvai

.

Na areia brincando
O cachorrinho da praia
Também faz castelos

.

Medito
Só em ilusões
Eu acredito

Haibun

Br 153
A estrada é uma reta sem fim cruzando o cerrado ao entardecer. Tons laranjas e vermelhos tomam a tarde, derramando-se sobre a vegetação. Os animais noturnos começam a sair de suas tocas e pode se ver seus olhos brilhantes quando cruzam com o farol da van. Cheiros mornos do dia ocupam o ar. Ao longe, uma queimada levanta uma coluna de fumaça que se move em espiral. A estrada está quase vazia, apenas alguns caminhões cruzam com a van, carregando a entressafra de soja. A cidade destino não tem hotéis. A hospedagem mais próxima fica a cem quilômetros de distância e não serve janta. O mercadinho local é a salvação para a refeição daquela noite. No outro dia, completaremos a distância que falta ao nosso destino. A noite vai quente e o ar está seco.

Siriema triste
Cantando lá no Cerrado
Plantação de soja.

A seguir, as produções de Carlo Fumagalli:

amarela flor
de árvore sem folha -
sol de inverno

sino brasileiro -
natal nipônico
sem pinheiro

quintal de casa -
o manacá em flor
me emudece

branco e rosa
se despede o outono -
manacá em flor

A seguir, a produção de Carlos Castelo:

o sapo coaxa
por sobre sua barriga
a pata do cão

A seguir, as produções de Daniel “Larusso”:

Haicais

Desenhou a faísca
Uma quadrilha no ar —
Noite de São João

.

O mesmo sol
Há bilhões de anos -
Hoje, é novo

.

Se espreguiça
Do céu ao chão
O bambuzal

Haibun

Pequena ponte
Não conheci meus avós maternos. Minha mãe, que nasceu em Okinawa, rompeu com eles aos seus 16 anos. Não herdei, portanto, o sobrenome japonês, Kobashigawa, que significa “pequena ponte sobre o rio”. Fiquei apenas com o sobrenome paterno do meu pai, Barros, que nasceu em Avaré, sem nenhuma ascendência oriental conhecida.

Sobre minha origem nipônica, tenho poucas curiosas pistas. Algumas, provavelmente, distorcidas pelo tempo. Meus bisavós, pais do meu avô, teriam migrado no começo do século passado para a América do Sul, talvez Argentina.

Yoshihiro Kobashigawa nascera em solo latino-americano. Mais tarde, retornou ao Japão, onde se casou com a minha avó. Tiveram seis filhos. Minha mãe, a quinta. E se lançaram aos mares. Desta vez, rumo ao Brasil, à bordo do Burajiru-maru.

Sessenta anos depois, desembarquei em Buenos Aires, num vôo da Aerolíneas Argentinas. À margem direita do Rio da Prata, repousa o Museo de la Inmigración. E dois registros digitalizados com o sobrenome Kobashigawa. Ambos de budistas nascidos em Okinawa.

Há sobre o rio
Uma pequena ponte ⎯
Kobashigawa

A seguir, as produções de Francisca Luciana Souza:

Mal cheguei aqui
Bem-te-vi ali —
no muro das minhas lembranças…

.

Fim de outono
ao coro de pardais —
responde o bem-te-vi.

A seguir, as produções de Graciele Gonzaga:

Sinto a falta
de matéria quente
do quarto cinza.

.

Outono folha
paixão do arvoredo
na flor do solo.

A seguir, as produções de Guilherme Aniceto:

Haicais a Bashô

Céu azul de inverno —
os olhos do gato buscam
onde bate o sol.

.

Uma rosa morta
no vaso de vidro branco —
amarela ao menos.

.

Orvalho nas folhas —
nas manhãs de inverno, o sol
transforma em vapor.

Haicais livres

Pinheiros no inverno —
antes fossem ovos de pássaros
as pinhas que estouram.

O vento contra os galhos —
as árvores balançam
e o tempo passa em silêncio.

Haicai Guilhermino

PRISMA

Nasce um arco-íris:
a luz passeia e seduz
xícaras e pires.

Haibun

Quando em Itatiaia
A mais de dois quilômetros acima do nível do mar, o Parque abriga essencialmente rochas, pedras com pontas singulares. Os viajantes que se aventuram respiram aliviados ao alcançarem o pico da Montanha do Couto, de onde avistam nada mais do que nuvens sob os seus pés.

Apenas pequenas rãs e alguns insetos, vegetação rasteira e ar rarefeito, podem ser encontrados. E paz. Predominância de paz.

Poças transparentes —
rãs minúsculas se banham
onde não são vistas.

A seguir, as produções de Jana Costa:

Bolha de sabão —
Encontra a poça d’água
Sorri a criança

.

a desobediência
é a filha mais sabida
da obediência

.

marrom a folha seca —
o encontro do verde
com a morte

.

a luz na parede
foge da cortina
para espiar a sombra

.

o breu
ilumina em mim
a imensidão do vazio

.

Então é natal —
O sol derreteu a neve
que nunca esteve aqui

.

o asana
faz cócegas
no corpo sisudo

DEPOIMENTOS

Inspiradora, provocadora. É como eu definiria essa oficina. Confesso que tenho pensado em haicai todos os dias, e tenho observado a natureza com mais atenção e afeto a partir dos nossos encontros.
— Guilherme Aniceto

AGRADECIMENTOS E CONCLUSÃO

Gostaria de agradecer imensamente as mais de 20 pessoas que estiveram conosco nessa jornada pelo haicai. Nessa segunda edição da oficina de haicai, com uma turma relativamente reduzida, tivemos a oportunidade de estar mais próximos de cada participante, criando um elo entre aquilo que nos une: o haicai.

Estudar sobre o que o haicai prega e representa em sua essência pode ser crucial para a contemplação do hoje e do agora, principalmente ao levar em consideração os dias agitados e intempestivos que vivemos na atualidade. Espero que cada um de vocês consigam utilizar do haicai para a contemplação da vida e da natureza.

Agradeço também ao ministrante Heberton Baptistela, pelas conversas, brincadeiras e aprendizados trocados ao longo dos quatro encontros.

Caso você queira ficar por dentro do nosso programa de oficinas, basta preencher o formulário abaixo e, então, você receberá informações sobre nossas futuras oficinas.

Sigamos, juntos, espalhando o haicai por aí.

Um grande abraço virtual!

Poeticamente,

@alexzani

editor-chefe da Fazia Poesia.

Poeta das 18h às 8h e, principalmente, aos feriados.

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