cova aberta
anúncios garrafais no tabloide
de segunda categoria
anunciavam minha morte apenas pelas iniciais
meu corpo esquartejado letra por letra
captei palavras do obituário
e escrevi como se próprias
criadas naquele meu antigo
modelador de argila
tem terra úmida na linguagem
e o corpo sempre vem por último
estar equivocado antecede minha consciência
mas se me queres morto
forjas um corpo primeiro
algo desmembrado por cães famintos
assina a sentença derradeira com vontade:
aqui jaz um dedo em riste
foi acusador
seria possível ter dois corpos
que morassem atrás de minha palavra
se estivesse disposto a tua repetição neurótica
minha morte em teu eco
mas era eu quincas atravessando
as sete portas, e vivendo
minha morte matada em nome da irmandade
afinal o anúncio estava atrasado
meu corpo já estava morto
antes da sua ciência me provar vivo
mas se me queres irmão
dai-me fôlego para um último berro
naquela pequena curva no fim da rua
dai-me um pouco d’água
se não morro
de novo