Cancelar é deseducar:

@ellasoueu
4 min readFeb 2, 2021

A cultura do cancelamento e o tribunal virtual, o BBB é só 1%

banco de imagens — Canva

Se você frequenta as esquinas da internet — em especial os becos do twitter, você não aguenta mais as palavras desconstrução e cancelamento. Já faz tempo que eu não aguento. Em setembro do ano passado eu gravei um vídeo falando sobre como eu enxergava essa cultura e com a abordagem do assunto pelo Fantástico, baseado na edição horrenda — mas necessária — do BBB 21, eu resolvi escrever sobre como eu enxergo o tribunal intocável da internet e seus juízes.

O engraçado é que já começo esse texto pensando cuidadosamente nas palavras pra não correr o risco de … !pasmem! ser cancelada!!!!! porque eu já cometi os meus erros, já fiz as minhas cagadas e certamente ainda vou fazer muitas. Qualquer pessoa que abrisse o meu twitter 6, 7, 8 anos atrás encontraria coisas das quais eu certamente não me orgulho e coisas com as quais eu não concordo hoje em dia. E tá tudo bem. Porque eu mudei. E que bom que eu mudei. Porque, justamente, se passaram 6, 7, 8 anos. O problemático seria se eu tivesse continuado a mesma que há tantos anos atrás.

Eu vou partir do pressuposto de que todo mundo que for ler esse texto vai estar, pelo menos, aberto ao diálogo. E pra começar, eu já vou deixar claro que eu não to escrevendo isso pra defender falas criminosas, mau caratismo ou má intenção, eu to querendo propor uma reflexão, que, aliás, é um bom ponto pra começar: o cancelamento é o exato oposto de refletir sobre algo. Ele é justamente fechar o caso. Encerrar o assunto. Acabar com a discussão — antes dela existir.

Pra mim, o cancelamente é o reflexo da desesperança na coisa mais humana que a gente pode ter acesso: a educação. O cancelamento ignora a nossa capacidade de evolução e de transformação como seres humanos. Eu sei, essa capacidade de transformação pode ser utilizada tanto pro bem quanto pro mal. Mas já supor que vai ser usada pro mal é nivelar os outros por uma régua muito baixa e é presumir que todos partem do mesmo lugar na hora da aprendizagem, quando não funciona assim. Deixa eu explicar:

Não podemos presumir que todo mundo tem acesso ao mesmo nível de educação e informação que nós temos, principalmente em um país tão desigual como o Brasil. Ao fazer isso não percebemos o quanto os nossos privilégios nos possibilitaram uma consciência mais expandida e ampliada do mundo ao nosso redor. A escola na qual estudamos, a faculdade que cursamos ou SE cursamos, a nossa estrutura familiar e os amigos com quem convivemos… tudo isso resultou na forma como percebemos o mundo.

Cancelar é tirar de algumas pessoas a possibilidade de mudar, é tirar o acesso a essa ferramenta maravilhosa e transformadora que é a educação. Pra mim, cancelar é deseducar. E eu acredito em educação. E fico pensando em quantos aliados afastamos das nossas lutas pessoais só porque não damos a eles a oportunidade de aprender com os próprios erros. Como inúmeras vezes já aprendemos com os nossos.

Eu tenho um amigo meu que fala que “é capaz de amar qualquer pessoa quando se conhece a história dela”. Eu discordo respeitosamente dele. Não acho que sou capaz de amar qualquer um, mesmo com histórias que possam explicar (mas nunca justificar) comportamentos preconceituosos, mas não sou capaz de odiar também.

Porque no fim…. a cultura do cancelamento nada mais é do que ódio "do bem" vestido de palavras acadêmicas e memes "engraçadões", calçando os sapatos da hipocrisia com um sobretudo de superioridade.

E eu não me tiro totalmente desse grupo. Em especial o grupo hipócrita. Tipo quando o Emicida resumiu esse vídeo inteiro em uma frase: “recitando Malcom X, sem coragem de lavar uma louça”. Bom, e eu to aqui recitando Emicida sem coragem de lavar uma louça. Ou pior, lavando a louça dos outros sem coragem de lavar a minha.

É tipo aquela frase clássica que certamente alguém já atribuiu pro Bob Marley ou a Clarice Lispector: quando você aponta um dedo pra alguém tem outros 3 dedos virados pra você, quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra, moralista de cueca.. bom, a lista é interminável.

Então o conselho de hoje é, ao invés de bancarem os juízes por likes e RT’s, comecem pela louça suja de vocês e, ah, e façam uma terapia também pra reconhecer que pra mudar o mundo temos que começar pela nossa forma de enxergá-lo.

Por hoje é só.

Meu nome é Mariana, mas pode me chamar de Ella. E sempre que perguntarem @ellasoueu

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@ellasoueu

Jornalista & Compositora. Canto e conto histórias. Journalist. Digital Nomading around the globe. Telling stories since I can talk!