arte original por Baga Defente

Artigo longo demais sobre um poema longo demais

Comentários, percepções e criações acerca do “Poema longo demais para as redes sociais”, de Baga Defente

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia
Published in
10 min readJul 12, 2021

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— Organizado por Alex Zani.

O “Poema longo demais para as redes sociais”, de Baga Defente, possui esse título, pois assim o é, de fato. Frente à imposição de caracteres limitantes das redes sociais, seja em legendas, seja em posts e comentários, outro título não cabe para um poema com 20 mil caracteres. Com isso, publicar esse poema na Fazia Poesia era a única alternativa — além da alternativa de deixá-lo estocado no bloco de notas —, ainda que o Medium possa ser considerado uma rede social de escritores.

Recebi o poema em mãos, na verdade, em WhatsApps, nos altos de março de 2021, quando estava editando o livro Pra estancar essa sangria, do Baga Defente, que foi lançado no começo de julho de 2021.

O Pra estancar essa sangria reúne poemas do Baga de 2013 a 2017 e, quando terminei de ler o “Poema longo demais”, escrito em 2021, foi o que me permitiu dizer, nas notas impressas no Sangria, que esse livro delimita e conclui — ao me ver, com sucesso — uma etapa do percurso poético do autor.

Com o poemas em mãos, ou melhor, em telas, Baga solicitou que eu fizesse uma leitura e uma edição, e assim o fiz. Para apontar o fluxo do poema, foram apontados cortes aqui e ali, ajustes e sugestões de termos e continuidade dos versos, afinal não é fácil prender a atenção de alguém por 20.000 caracteres, e o poema estava ali, feito. Algo ainda precisava ser feito e foi.

Com a publicação do poema na íntegra no portal Fazia Poesia, que depois foi segmentado em infinitos posts na conta pessoal do Baga no Instagram, algumas ideias foram surgindo, assim como os comentários repentinos. Por isso, resolvemos compilar neste artigo longo demais para as redes sociais.

Uma das ideias se deu ao juntar quatorze pessoas da equipe de poetas da Fazia Poesia para declamar o poema e transformá-lo em um episódio do Pódloqui, o podcast experimental sobre música e poesia, do próprio Baga Defente.

Abaixo, você encontra tudo acerca do que aqui foi e será falado a seguir nos comentários, logo após a lista de participantes do episódio.

CONVIDADOS (por ordem de aparição)

I — Nádia Camuça (@nadia.camuca)

II — Alex Zani (@alexzani)

III — Milena Martins Moura (@oraculos_dos_oculos)

IV — Daniel Pasini (@daniel_pasini)

V — Bruna Modesto (@mbeliska) e Gabriel Costa (@costafg_)

VI — hermes de sousa veras (@hermesveras)

VII — Juliana cajives (@cajives)

VIII — Tayara Causanilhas (@tayaracausanilhas) e Baga Defente (@bagadefente)

IX — Alex Zani e Baga Defente

X — Ana C Moura(@anac.mouras)

XI — isabella azevedo (@p.iubella)

XII — Daniela Rezende (@rezende.danielaa)

XIII — Ana Mendes (@mendesana_97)

XIV — Marianna Perna (@dasvozespoesia)

XV — Cecilia Lobo (@cecilialobolima)

Curta resenha sobre o “Poema longo demais para as redes sociais”

por Bruna Modesto

O “Poema longo demais para as redes sociais”, do poeta Baga Defente, é, além de uma ácida crítica ao desgoverno, um retrato panorâmico da solidão individual e do sofrimento — que deveria ser — coletivo diante de uma pandemia no pior país para se estar no fim do mundo.

Baga Defente cria a narrativa cotidiana de um coração miseravelmente apegado a um amor que já não existe e que seu eu lírico só alcança pela licença poética das memórias. Em paralelo a essa fossa quase sertaneja, Baga conduz, ao longo de quinze capítulos, o nosso olhar para a miséria, para as 300 mil mortes, para a fome, para a escassez de recursos, para a sujeira politica e para a potencialização da desigualdade social que vem crescendo desde o ano passado, resultante do ágil contágio dos dois males que assolam o país: o coronavírus e o verme Bolsonaro.

arte de Baga Defente disponível aqui

Entretanto, essa dor, de tão grande, de quase estratosférica — mas já tão cotidiana em um coração partido — , não nos sensibiliza. Tampouco sensibiliza o eu lírico, mais preocupado em ter uma vida minimamente funcional, sem precisar recorrer às cebolas para disfarçar o choro enquanto faz o almoço.

Ainda assim, esse personagem que nos instiga a cada capítulo não deixa de frisar seu embaraço e vergonha por estar sofrendo de amor. É possível sentir até uma pitada de culpa, que fica para a interpretação livre, se pelas mortes, pelo término da relação ou pela suposição de que seu sofrimento não é significante para o mundo, no momento em que o mundo se encontra. Uma sensação bem familiar para muitas pessoas. Durante a pandemia, tornou-se algo comum culpar-se por estar feliz enquanto o número de mortes cresce a cada dia.

A ambiguidade no sentimento e na retratação do luto faz com que o leitor também reflita sobre o sofrer de maneira geral, mas sem esquecer que a vida está ali. E que ela continua. Tanto após um término quanto após uma pandemia — ou, nesse caso, as duas coisas.

O poema de Baga Defente pode ser interpretado de muitas maneiras e pode ser sentido pelo leitor de inúmeras formas. Mas, como um todo, você sente pesos iguais entre a questão política e o drama pessoal ao acompanhar o homem solitário perdido nos próprios pensamentos despedaçados que está vivendo o próprio caos interno enquanto a sociedade, o mundo externo, desabam.

O homem de coração partido vai ao mercado. O brasileiro que carrega 300 mil lápides na bandeira também tem sua rotina ordinária. Há mais de um ano, cada um de nós está levando a vida em tons sépia com gotículas de sangue e às vezes, só às vezes, enxergamos alguma outra cor.

um texto curto demais para um poema longo demais

por Pedro Barroca

Dias atrás, estive num fluxo de conexão com o amanhecer, a aurora, esse impulso de começar as coisas, de renascer mais uma vez. Mas, se a gente para pra pensar no ritmo comum da nossa vida cotidiana, é o entardecer e o anoitecer, o crepúsculo, que mais frequentemente nos brinda com sua beleza. O pôr do sol nos lembra que as coisas precisam terminar. Venho pensando sobre esse dia contínuo, essa metáfora da vida inteira — sobre a qual Matilde e Tomás brindam uma trilogia em Pingue Pongue. E a noite, esse momento de luxúrias e despedidas, me fez lembrar as ausências e os fins, os ocasos da vida… as ausências e os fins são lugares estranhos de se ocupar. Viver resquícios de tempos. As emoções em demasia e a compreensão social da dor alheia quando dos finais. Todos nós anoitecemos tantas vezes… E sempre nos encantamos com as cores se despedindo no céu.

Agora, estou vivendo um momento digno de um lazy afternoon de domingo. E a real é que esse parágrafo de cima foi pra chegar aqui, neste momento. Este momento de escuta. De escuta desse podcast-ópera-fim, esse episódio longo demais, repleto de atravessamentos úmidos das outras durações do dia. Celebrando dolorosamente o outono depois de um verão de quase quatro anos.

(o foda mesmo é quando a noite chega)

E assim, com essa constatação inevitável, embarcamos nesse “Poema longo demais para as redes sociais”, nessa viagem pelos humores de um coração partido.

Esse episódio é um melodrama delicioso, que se inicia arregaçando as mangas e mostrando os braços rasgados de um jovem Werther brasileiro dilacerado, cenograficamente como em um palco em um teatro de contêiner. Leônidas é a personagem central dessa autoficção e sua voz é polifônica, é a voz dos poetas anoitecidos, embriagados… A dramaturgia é refinada. Aos poucos, os olhos se acostumam com a noite e passam a perceber os detalhes do cenário, “teu sangue vermelho continua na minha parede verde”, as chaves no portão, o abraço, “toda vez que você vai embora é um adeus”. E então as vozes sôfregas e desafinadas de Bob Dylan e Johnny Cash cantando a garota de um país do norte nos lembram que é impossível não desafinar chorando um desamor.

A voz das notícias sobre o país redirecionam a paixão, cenas de violência explícita onde a trupe mais despudorada que já desgovernou o país é torturada com crueldade em tons de narração jornalística. Uma cena me veio à mente: lavando louça, a rádio dá as notícias, a imaginação deriva no impulso de ser um coração-bomba que deseja explodir tudo e assim encontrar a expiação pra miséria que é amar em demasia. Essa cena explosiva só é possível com Freddie Mercury cantando Love of my life.

A outra personagem central que habita as linhas desse poema, e existe em cada canção desse podlóqui, é a ausência, e é ela quem dá o tom. É quem produz o movimento desse grito. O amor sempre clama por algo que não existe. Tava falando sobre isso com uma amiga: parece que as coisas, quando morrem, ganham um brilho e uma vida sobrenaturais. A ausência renova e vivifica a presença. Não é em vão que a dor de cotovelo seja um dos principais temas da música. É uma forma de homenagear e enterrar uma história. E nesse sentido esse poema é uma pirâmide, um monumento composto por cada pedra, cada canção, cada palavra, cada lágrima derramada…

Sofrer por amor é ridículo. O amor é abundância. Gente passando fome. O mundo em pandemia. E o amor egoísta mastigando o peito. Pois é, Leônidas, a beleza desse poema, a beleza desse podcast é a generosidade. É um momento de viver a noite. Mas que linda noite estrelada. A escuridão profunda toma conta, mas é por conta disso que conseguimos vislumbrar cometas. Eu me lembro de um cartaz que tinha pregado na parede de casa; era preto com letras brancas na folha inteira, e dizia: “viver a noite das coisas”.

Este texto é pra ser como uma conversa de amigos bebendo, falando da vida, comendo amendoim doce, ouvindo música. Sobretudo, ouvindo música. É pra ser como seu podcast, como seus poemas. Esse momento de intimidade besta, onde a dor, que não deixa de doer, também ri. Esse momento que só pode ser quando é noite, madrugada. Este texto, que embora não seja tão curto assim como se espera pelo título, é pra ser um convite também. Pra quem quiser se aventurar, se achegar, se sentir junto em um momento de entrega e partilha como aqueles que apenas os amigos e os artistas nos proporcionam.

Tá acabando de tocar aqui, já é a terceira vez que escuto esse episódio longo demais. Dessa vez, fui acompanhando alguns trechos do poema escrito. Já é quase segunda-feira. Estou um pouco embriagado e rodeado de latinhas de cerveja. Tô na varanda ainda, ouvindo você falando da Fazia Poesia e agradecendo cada voz que deu vida sonora a esse poema-ópera-pop e me lembrando de que ninguém precisa fazer um tratado sobre essa sua obra. Vou embarcar no movimento dos barcos com o Jards. Fique lóqui, não fique down. Um brinde, Leônidas! Um brinde a quem esteja lendo agora!

No inbox do insta, para o Baga

por Abel Vargas

Baga, que formato genial, músicas necessárias, interpretações prodigiosas. Que hora boa passei aqui agora…

Como sempre, uma genialidade delicada.

Logo no começo, eu senti que deveria abrir o bloco de notas pra comentar com você algumas ideias. Num episódio com mais de hora eu não queria me lembrar só da última coisa que pensei. No final das contas só tive uma anotação.

Meu único comentário temático pra internacionalizações e reflexões poéticas futuras é o seguinte:

Existe uma construção nessa era retrógrada que vivemos, muito forte no Brasil principalmente, de que o sofrimento da classe média tem que ser balanceado por uma autocrítica do sofrimento geral.
Eu considero uma culpa cristã de esquerda.
O discurso de combater privilégios ficou tão mídia social focado no indivíduo desse grande reality show que nós diminuímos a nossa dor pra não parecer mimimi.

Durante o poema você fala de sentimentos tão legítimos, tão reais que existem apesar das tragédias, que se multiplica ao sofrimento humano, não que se deva atenuar e colocar em perspectiva.

Senti que o poema segura uma explosão legítima de dor dessas adições e multiplicações e vai numa linha subtrativa, talvez na sua busca honesta de diminuir a dor da ruptura.

Não se senta ridículo por sofrer. Parafraseando (surpreendentemente) Monica Lewinsky: afogar em 2 metros de profundidade é igual a afogar em 20.

E, por final, eu sinto que essa culpa por existir num privilégio é um jogo sujo de parecer que nós não somos os mesmos que quem vive na rua. Da rua à Paulista, nós somos a mesma turma. A luta contra o privilégio é defender a liberdade de expressão, mas não deixar que só a voz da Globo seja ouvida por 95% das residências do Brasil.

O privilégio parece ser casa e comida, mas o foco é assumir os latifúndios e fazer uma reforma agrária.

Então, permita-se transbordar no papel toda a dor, pessoal e social. Acho que só assim o luto vira luta.

Quem dirá um dia viveremos o privilégio de só sofrer por amor.

Alex Zani é editor-chefe e poeta na Fazia Poesia.

Poeta das 18h às 8h (aos feriados, principalmente).

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