A vida tá boa… por que custa respirar?
Tá tudo bem.
Tô rodeada de boas amizades,
Rodeada de amor.
Minha família, mesmo longe,
Está sã e salva.
Tenho boas oportunidades,
Tempo pra escrever como nunca antes.
Saúde, casa, comida.
Tô sobrevivendo a uma pandemia
Com trabalho, perseverança e bom humor.
Então por que não me sinto bem?
Por que esse peito apertado?
Por que essa dificuldade em respirar fundo?
Por que essa respiração curta, cortada,
Que não enche, que não satisfaz?
Antes que me perguntem, já fiz o teste.
Covid não é.
Tenho quase certeza de que a causa não é física,
Mas sim emocional.
Porque quando estou entretida com algo,
Os jobs, a Netflix, os livros, boas conversas,
Não me sinto mal.
Esqueço, me concentro no que estou fazendo
E respiro normalmente.
Mas, de vez em quando,
Quando não estou fazendo nada,
Ou melhor, quando deveria estar relaxando
Depois de um dia intenso,
Me lembro que já não sei fazer isso,
Essa coisa de respirar normalmente,
E o incômodo retorna.
Essa sensação estranhíssima de não poder respirar com fluidez,
Uma consciência profunda da minha respiração…
Coisa que nunca senti.
Nunca tive dificuldade pra respirar, só rolava.
Inspira, expira, nem notava.
Nessas últimas semanas, porém,
Parece que o pulmão se esqueceu de como faz.
Ou melhor,
Foi o cérebro que ficou obcecado com o movimento
Do ar que entra, não sacia,
E logo vai embora.
Não é que eu fique realmente sem ar.
Nunca me assustei ao ponto de achar que ia me asfixiar,
Nem perto disso.
Somente sinto um incômodo,
Uma pedrinha no sapato.
O que será que tá rolando?
O diafragma não se dilata o suficiente?
As fossas nasais estão meio fechadas?
Algo no sistema respiratório tá se complicando?
Algo está no caminho que o ar tem que fazer?
Balanço a cabeça, irritada comigo mesma.
Já passei no médico, já fiz exame de um tudo.
Não há nada errado, fisicamente.
Mentalmente, é outra coisa.
Acho que euzinha estou criando travas,
Desaprendendo a respirar,
Ou simplesmente gerando um tic nervoso inusitado.
Serei ou não criativa pra me torturar?
Quando já não aguento mais
E nada tira minha atenção do desconforto,
Me deito no chão e pratico os exercícios que aprendi na ioga.
Respiro fundo, encho a pança de ar.
Seguro tudo dentro de mim por uns segundos
E depois solto devagar.
Flui que é uma beleza!
Percebo que não há nada que freie minha respiração
Além de mim mesma.
Me sinto aliviada e triste ao mesmo tempo
Por que essa mania de me auto-sabotar?
Por que mexer com algo tão básico,
Tão fundamental?
Quero me deixar louca, isso sim.
Quero me mostrar que não sou a pessoa perfeita
Que vive a vida perfeita
Que não tem nada pra se queixar.
Não sou assim.
Queria ser, mas não sou.
Ainda com tantas coisas positivas,
Me queixo.
Me irrito.
Me condiciono a bloquear a santa respiração.
Olha, tem que ter uma razão mais profunda pra isso,
Mas não a encontro.
Na verdade, já que estou sendo sincera,
Não ando procurando com afinco.
Tenho medo do que pode ser,
Do que se esconde na escuridão quando fecho os olhos
E não posso dormir.
Tenho medo do caminho,
Da batalha interna que vou ter que lutar pra voltar ao meu normal.
Pra voltar a respirar sem problema.
Pra voltar a respirar sem perceber que estou respirando.
Sabe, acho que não vou tentar descobrir a resposta agora.
Deixa minha psicóloga voltar de férias;
Vou precisar de uma companheira pra essa jornada.
Por enquanto, sigo tentando avançar devagarinho.
Sigo tentando me liberar,
Me salvar.
Procuro ser paciente comigo mesma,
Procuro ser gentil quando inspiro e expiro,
Procuro ocupar a cuca com coisas que amo.
Me abro um pouco com as pessoas que amo
E nesses versos.
Tenho dias melhores, dias piores.
Continuo viva, atenta, sobrevivendo
E respirando do jeito que dá.
Ainda ansiosa, ainda com medo, ainda duvidando,
Mas respirando.