8 poemas perigosos de Rodrigo Dantas da Silva

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia
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4 min readFeb 15, 2023

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RODRIGO DANTAS DA SILVA 🏳️‍🌈 nasceu em São Paulo, mas se criou em território capixaba: aos oito meses foi para o interior do Espírito Santo e desde 2017 perambula pela região metropolitana do Espírito Santo. Ctônico, tem se feito no underground literato. Pesquisa o cordel capixaba desde o mestrado em Letras, que cursou no Ifes/ Campus Vitória. Atualmente, é doutorando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal do Espírito Santo e tem pesquisado como corpos dissidentes performavam na poesia presente na seção “Literatura” do periódico Lampião da Esquina. Atua como professor de língua portuguesa e literatura da educação básica espírito-santense. Enquanto escrevedor indie (e pornógrafo), tem como influência para o seu projeto literário autores conterrâneos como Luís Capucho e Horácio Xavier, além dos nacionais Glauco Mattoso e Santiago Nazarian. Uma bicha frrrk que escreve para confessar, para questionar e para não sumir. Publicou, pela Sangre Editorial, em 2019, Vello, que traz poemas, contos, crônicas e rascunhos.

O perigo está presente em cada um desses escritos. Cada verso é feito alvo. Toda palavra, um calmo dedo no inverso das feridas de quem pretende fingir que a poesia não incomoda. Um grito (de ordem, não de medo). Um tapa. Um rasgo. Um modo de prostrar-se no mundo como literato e literatura, criador e criatura de sua própria escrita. Camarada, os oito poemas que se seguem (e todos mais que tive o prazer de ler) são frutos de anos de transas, transes e tantos éons de estudo e leitura. Um gozo de Tudo, do todo — sob o rascunho do nada. Você vai ser sacudido, arrastado — por ritmo e imagens-sentimentos — e acariciado pela mão do poeta que afaga e aponta, que te traz como vislumbre — o gostinho de como é perigoso ser o outro neste país.

Camarada, o Poeta possui vasto material postado em sua página pessoal; para além dos separados abaixo, há muito caminho pra desbravar, então não deixe de conferir lá também, após ler estes:

PROFESSORA BICHA

a professora bicha não pode falar bem,
a professora bicha não pode ser sabida,
a professora bicha não pode se impor,
a professora bicha incomoda,
a professora bicha é um corpo estranho na escola.

A sociedade e o feminino

não é só sobre ser
é também sobre onde se pode estar
é sobre tomar as rédeas do corpo
é sobre dinheiro

“não há perigo em ser mulher”

é perigoso sim ser mulher
performar mulheridades distintas,
mulheridades de combate e guerrilha

é perigoso quando ela bebe um pouco mais
para pegar um uber/ ônibus/ táxi

é perigoso, quando ele decide viver o ela
é perigoso, quando ela decide não ser Amélia
é perigoso, quando ela se abstém de sua feminilidade para ser ele

mulher de pau
mulher de buceta
mulher sem teta
amarela, branca ou preta

estão todas imersas nas labaredas do patriarcado

Antítese

é tão pe-sa-do
esse vazio
que me dá
falta de ar…

Felipe

Coração é terra que ninguém toca,
ninguém pisa.
é espelho:
ora embaçado, ora não
vida-alma-vazia
coração do oceano.

Pretérito imperfeito

Eu fico aqui,
enclausurado em pretérito imperfeito
perdendo, esvaindo a vida
é pra frente que se anda
deixa sair, põe pra fora
faleceu
e viúvo é quem já morreu
você morreu pra mim
vocês morreram pra mim
descansem em paz
em outro lado
em outro lugar
com suas paupérrimas escolhas
(é pra frente que se anda)

vicioso solitário

não preciso de uma foda barata
não almejo corpos perfeitos, rostos bonitos.
difícil arrumar um cérebro pensante
mas admiro a minha autossuficiência

agradarei meu membro com as minhas mãos
o seu Deus perfeito me deu um par de mãos
acariciando; indo e vindo, cuspindo.
uma explosão de gozo!

meu vício de todas as manhãs
minha oração antes de dormir
prazer tão intenso, solitário e profano.

falanges macias que tocam e massageiam
gemidos abafados, sussurros brandos.
adrenalina, testosterona e esperma.

FILHOS DO NADA

Noites frias e longas
Ruas vazias,
Um carro bonito
Uma puta de luxo
À procura de lixo
Unindo prazer e dor
Comprimidos
A cor do dinheiro
Uma prostituta
Engana um velho
Ele é surdo
E está quase cego
Insaciável
Enfeitam a tristeza
Bebem, comem
E se comem
Onde está o amor?
Deu vez a dor
A morte bate à porta
Entre, sem bater!
Tão incerto
Quanto àquela dança
Feliz
Nenhum conhecido
A carne nova do açougue
Filhos do pó,
Que voltarão para o nada.

Vista-se de mim

Pague as minhas contas,
entre nos embates discursivos que eu entro,
compre o meu arroz e o meu feijão,
seja perseguido pelo governo bolsonaro,
como eu sou.
seja confundido e julgado como um ladrão
q nem eu sou em um supermercado
ou loja de shopping.
já correram de você numa rua vazia?
seja trocado ou aquele que não é escolhido,
como eu sou.
tenha o seu trabalho deslegitimado,
e sua intelectualidade diminuída
igual ao que ao acontece comigo.
vista as minhas roupas,
dance como e eu
e entenda os meus sonhos,
os meus anseios
e a minha realidade.
Vista-se de mim
para depois dizer o que é
ou não é
a minha verdade.

RODRIGO DANTAS DA SILVA 🏳️‍🌈 é o poeta selecionado para a coletânea de fevereiro. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.

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