7 poemas confessos de Laryssa Carreiro

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia
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5 min readMar 20, 2024

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laryssa carreiro tem 27 anos, nasceu em 18 de abril de 1996, crescida e criada na zona leste, bairro do Patriarca, na capital de São Paulo. Formada em tradução de língua inglesa pela FMU em 2019, cursou também licenciatura e é estudante de pedagogia. É pós-graduada em semiótica e análise do discurso e já atuou em diversas agências de publicidade e relações públicas como redatora e social media, lecionou português e inglês em escolas da rede pública e privada.

Interessa-se muito pela escrita poética dita “confessional” e descobriu que escreve poemas desde muito cedo, esquecidos em cadernos perdidos no tempo com versos soltos que traziam memórias do divórcio complicado dos pais, que aconteceu quando ela tinha apenas sete anos. Aos quinze, foi diagnosticada com depressão, e com isso veio uma ansiedade avassaladora (principalmente para uma adolescente na periferia paulistana), o que resultou em anos de acompanhamento com psicanalistas (que ainda a mantêm viva).

Suas principais referências são as poetas norte-americanas Sylvia Plath e Anne Sexton, que muitas vezes trazem à tona a loucura e as questões psíquicas, fazendo da escrita uma verdadeira terapia. As consideradas malditas e marginais, como Ana C., Hilda Hilst e Carolina Maria de Jesus, também fazem parte de seu acervo pessoal. Contemporâneas, como Luiza Romão, Bruna Beber e Jarid Arraes, são autoras que a inspiram para continuar o trabalho poético.

Hoje desenvolve na modalidade freelancer projetos de escrita e tradução, principalmente de obras literárias escrita por mulheres em língua inglesa, e leciona redação e análise textual. Publica há mais de um ano na Fazia Poesia e recentemente aceitou o cargo de assessora comercial do portal.

Hoje, trazemos um pouco do muito que é Laryssa Carreiro. Trazemos uma singela seleção de poemas que buscam, do entorno ao íntimo, a grandeza de uma confissão poética. Laryssa não se atém a rimas, tampouco a métricas e formas engessadas. Seus poemas são de menção e conteúdo — trazendo à tona as indagações, as afirmações, as declarações de quem muito observa fora e dentro de si. É uma poética sobre origem e caminhada, sobre a falta e sobre a presença, sobre o contínuo encaixe e desencaixe da vida. É um convite dos lentamente sussurrados à crua e manifesta poesia. Se aconcheguem.

bem-vindo a leste

não tenho vergonha da minha língua
não tenho vergonha da minha laia
não tenho vergonha da forma
como fui criada

quero sair para o mundo
gritar pra todo mundo
avisar que foi aqui que eu nasci:

onde de manhã as ruas são calmas
onde à noite o perigo come solto
onde nada é perto de casa
onde os loucos fazem morada

linha amarela

os milhões de filamentos
todos cheiram a
pão de queijo

sobre emoção? eu lamento
aqui há apenas (o)dor
barulho e ação:
não seja lento

neste cubículo de vidros
já não trago sentimentos
o balançar do vagão
me leva à exaustão

pois já fico enjoada
de segurar nas mãos a palavra
[como quem come por gula
sem sentir na pele a loucura
de escrever com fúria
na contramão]

mas hoje
me sinto escassa
omito a loucura à beira da faixa

hoje sou só
mais uma mulher que
desce na direção errada.

síndrome

me sinto cansada
cansada de acordar e ter que abrir os olhos
cansada de escovar os dentes olhar o espelho me deparar com as
cansadas arcadas dentárias e os olhos opacos de vento
cansada de observar as novas protuberâncias e apertar o rosto nojento
cansada de esquentar a água do café tão cedo
cansada de fazer café
cansada dos quatro versos que passaram tão rápidos que já são seis
cansada de vestir as mesmas roupas e ir ao mesmo trabalho e fazer o mesmo trabalho
cansada de sentir a fadiga do corpo e a raiva expoente
cansada de forçar a peça no encaixe errado sempre
cansada de fingir o riso para piadas que eu não vejo sentido
cansada de estar à beira do abismo
cansada de estar cansada desta vida gasta
cansada do vazio da palavra
cansada de me perder de mim

crise da autora

tenho nas mãos
o reino das palavras
o sopro dos instantes
a voz em alto falante
mas não sei de nada
pois nada me serve
quando o poema acaba

segredo de menina

sozinha aprendi a
me libertar da loucura
mexer meus quadris e sentir
prazer no movimento que
só o meu corpo tem feito
não há defeito e
o efeito é quase instantâneo

a sensação percorre o sangue
resistir é um crime
diante de tanto afeto
sigo (auto)imune

toco sob o pano do meu
úmido tecido de baixo
na linha do perigo, digo
atenção: não vá embora agora
que tá ficando bom

pode abrir as pernas
e curtir um som

[…]

erva daninha

uma mulher que ama outra mulher
carrega o fardo nas mãos do destino,
nos lábios ressecados, incitam
as sábias palavras exílio
escondidas no olhar de soslaio

uma mulher que se recusa a amar um homem
não é uma mulher qualquer, você sabe
ela bebe tua hóstia nos bares
ela derrama sangue nos mares
é grandiosa como Antares, mas

já que perguntaste,
nasci deste ventre
destas águas cálidas
que desaguam à margem
que tocam a face plácida

já que pensas que a ignorância
herdada desta tribo que vos falo
sei que gosta é de esconder o pecado
usufruir seus artifícios, manejar o sufrágio
e guardá-lo numa caixinha de música erudita

querido, não sou mais criança
não me queira inocente e indefinida!
só hoje já fiz milênios de anos para
foder com a tua vida

não, isso não é bruxaria
querido, é tudo muito natural
sou líquido puro e divino
de pernas abertas insisto
como flor nascida no quintal

ministério das poetas

mila teixeira separa as cartas
na mesa para ler o futuro
thaís campolina tira foto
do azulejo do banheiro
priscila branco come açúcar de colher
enquanto conversa com
leila míccolis que aumenta o som
do rádio que toca gal costa
alice ruiz joga um copo de vidro pela janela
enquanto pensa sobre ser poeta
ryane leão aspira o ar salgado e frio
nos pés descalços sobre a areia molhada
yara fers costura palavras enquanto
toma um ar no ventilador de casa
luiza romão pega o metrô em direção
à esperança de uma vida nova
monique malcher rega as plantas e
faz terapia em sua cadeira de praia
layla de guadalupe protesta no masp
com ativistas pela libertação do corpo
lilian sais colhe um figo na quarta e
se encanta com a doçura da fruta
jarid arraes esquenta a água para
fazer um chá e não se obriga a nada
marília garcia pega um sol no parque
das ruínas enquanto lê sylvia plath
bruna beber pita um cigarro e
entorna a cachaça sem queimar
enfim, laryssa carreiro suja um
poema atravessado no chão da sala.

laryssa carreiro é a poeta selecionada para a coletânea de março. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.

Publicado por

Ísis Cunha | Poeta e Assessora de Conteúdo no portal Fazia Poesia faziapoesia.com.br

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