6 poemas correntes de Luiza Leite Ferreira
LuizaLuiza é poeta desde que aprendeu a escrever. Natural do Maranhão e criada em Niterói, vive mesmo é na Baía de Guanabara, entre a cidade sorriso e a cidade maravilhosa. Com formações em jornalismo e tradução, atua como profissional do texto, preparando, traduzindo, revisando e escrevendo em português e em inglês. Tem contos e poemas publicados em antologias e revistas e é autora do livro de poesia É na Cacofonia que Eu me Escuto. Além da FP, integra o Coletivo Escreviventes e escreve a newsletter “Cartas para Ninguém” no Substack.
“num dia, volto tarde
no outro, não volto mais”
A escrita que me agrada é aquela que me desperta algo. Quando esse algo é mais distante do que costumo
descobrir
por mim mesmo,
minha curiosidade me diverte.
Não sei se fui fisgado por autossugestão ao ler o título do primeiro poema que separei nesta coletânea, mas sei que me senti estranhamente seguro de mim — e do ponto de vista físico mesmo, lendo estes poemas ao longo de algumas manhãs sem trabalho enquanto estourava o prazo para entrega da coletânea (desculpa, Ana). A forma como a poeta conjura a nós, amigo leitor, a tomar a forma do eu lírico que é ela (ou somos nós?) é sobrenaturalmente
natural.
“Tem algo de sagrado em sangrar
deixar escorrer o que já não serve
Separei aqui seis poemas curtos, doces, fortes! Vivos! Antes de mais
tudo.
Camarada! A ideia é simples, são seis poemas para você ler em voz alta, mas baixinho, na volta do trabalho, entre os colegas, almoçando, enquanto seu amado ou amada está presente na tela logo à frente, enquanto comem qualquer coisa fruto do algoritmo. Dentro da branca magia cerimonial europeia há um lance orientalista de você despertar seus chakras com os nomes em hebraico do Deus Uno que não é Nada, você vibra o nome específico para aquele ponto, como quem convida um velho amigo para despertar de um cochilo à tarde.
Esse amigo é você:
leia como quem escuta
não como quem fala:
Escudo
Me enfrento
todos os dias
Uso minhas fraquezas
como escudo
Não tem silêncio
na minha poesia
É na cacofonia
que eu me escuto
Grandes homens
Me cerco de grandes homens
que me inspiram com seus versos
e me protegem com seus braços
Me cerco de grandes homens
que me prendem em suas sombras
e me sufocam em seus abraços
Me cerco de grandes homens
que de grandes, têm quase nada
só uma língua afiada
Transatlântico
Sua voz, em ondas
atravessa o Atlântico
para lamber
os meus ouvidos
e provocar um maremoto
Sangrar sagrado
Tem algo de sagrado em sangrar
deixar escorrer o que já não serve
esvaziar para encher de novo
Tem algo de lógico em sangrar
para se refazer é preciso
se desfazer primeiro
Tem algo de incômodo em sangrar
porém, nada mais natural:
sofrer faz parte de crescer
camisola
Herdei as camisolas da minha avó
longas e rendadas
não as uso para dormir
quando é domingo e o sol brilha e a vida é bonita
visto uma camisola da minha avó e ando pela casa
descalça
me sentindo como uma dama antiga
escuto o silêncio, vejo o sol tocar as plantas
escolho um livro da estante, um bem grosso
capa dura, coletânea
— desses que a gente compra pra ter —
me abandono no sofá e começo a ler
começo a esquecer
começo a sonhar
que sou uma dama antiga, numa casa antiga
em um vestido longo como os meus cabelos
tão longos quanto as horas
que tenho pela frente
Voo I
Estou aprendendo a voar
esticando as asas do pensamento
mas sempre com um pé no chão
para não me perder no vento
Tenho voado alto
ao ponto de tocar o céu
até voar ao contrário
desmanchando as asas de papel
Tenho voado demais
sentido o gosto da liberdade
num dia, volto tarde
no outro, não volto mais
*
Andei voando um bocado
nas asas desse poema
voo só de ida
espero não ser um problema
LuizaLuiza é a poeta selecionada para a coletânea de setembro. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.
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