5 poemas terrosos de Aline Monteiro
al!ne monteiro é artista do corpo e da palavra. É mestre em Estudos Literários e professora de inglês no IFPB. Engatinha catando as letras que encontra, leva à boca e as experimenta, combina seus sabores e as cospe em versos. Busca descolonizar seu corpo-território para (r)existir no mundo.
Uma poesia inquieta:
“chá de camomila
chamo Xangô
peço que seu machado
não falhe
choro como fosse
chuva
chove como fosse
março”
O verbo feito carne.
Retirar o véu do que nos cerca e desnudar o divino
no humano.
O Sopro
divino desce
Uma daquelas coisas do ar
que a chuva traz à terra como cantava Raul
ao perder o medo da chuva.
Dona de uma poesia forte e terrena. A poeta Aline Monteiro nos convida a ceifar as ilusões do cotidiano, as certezas, as ideias que temos
dos outros. De nós mesmos.
São versos curtos. Diretos.
Brincadeiras rítmicas, visuais e simbólicas.
Composições que vieram do estudo
e do dislumbre
de contemplar o divino
no todo.
“ desmancho-me
em som
pulso nas ondas
que cismam
repetir ci
clicamente
morro pra nascer
minguo pra encher
vibro para ser”
Poesia para ler em voz alta.
— e se deixar levar, e alterar
pelo passeio.
Um mergulho no si mesmo da poeta
e de quem lê. Alguns dos poemas que separei
são daquele tipo de poema
que não termina
fica algo
pairando no ar
Respire
Olhe pra cima
Consegue sacar?
Venha, junte-se à mim!
vamos
nos desmanchar com a poesia:
[sem título]
Tento enxergar a
beleza do mundo
Mas meu olhos-foice
cortam baixinho
todas as flores do caminho
silêncio é faca
faça o que fizer depois
o corte está posto
- fui eu quem cortei -
se soubesse que calarias
teria perguntad0o mesmo assim
algo em mim não sustenta mais
já faz anos que me queres
mas não queres responsabilidade
fingir que não se importa já não convence
conheço o que vejo nos espelhos envidraçados das paredes
e conheço o que reflete nos corações emoldurados em costelas e íris
a vida ensina
não é mais o medo que me olha de volta
reconheço os olhares refratados
onde encontro cama, me deito
empresto espaço também
não cobiço muito
peço pelo justo
o demais me afoga
a palavra
me basta
Nasço sonho
gestando a mim
mesma,
fecundei
me úmida
embebida em
desejo
desde então alimento
meu sonho-ser
no parto
não me deixo
molho cada
passo-Oxum
deslizo em
minhas carnes
acolho o
vermelho do
caminho como se nele nadasse
desmancho-me
em som
pulso nas ondas
que cismam
repetir ci
clicamente
morro pra nascer
minguo pra encher
vibro para ser
sim
sinto
soul
sonho
(res)piro
depois de
um dia como hoje
me parece saudável descanso
ler poesia
e dormir
peguei a ana
abri
no primeiro verso li
“tarde da noite recoloco a casa toda em seu lugar”
antes que meus olhos chegassem à linha que seguia comecei a escutar
I can’t breathe
I can’t breathe
virei a página
deve ser o tema que me
traz trauma
tentando ficar calma
comecei novo texto
“volta e meia vasculho esta sacola preta à cata de um três por quatro”
deu gatilho
e ainda que sozinha no quarto
eu ouvi
I can’t breathe
I can’t breathe
levantei
perturbada, agitada e sem
controlar a respiração
yoga pode ajudar a relaxar
depois de tanta postura
um cansaço se configura
penso que posso descansar
e deito
tentando fugir das
artimanhas ardilosas
da minha mente
trago à frente a
imagem de alguém
que quero bem
sonhando acordada
ainda afetada pela prática
fazemos yoga juntos e
esse alguém está aqui…
mas antes que me
pegue o sono
aquela voz
martela de novo
I can’t breathe
I can’t breathe
chá de camomila
chamo Xangô
peço que seu machado
não falhe
choro como fosse
chuva
chove como fosse
março
peço que o nosso cansaço
seque
e dentro de nossas
peles
possamos sonhar
com o sol que arde
em chamas
e que ele queime
a todos que
nos impedem de
respirar
instruções para colher limão
escolha pessoas estratégicas
para reconhecê-las,
analise o coração durante o abraço
(geralmente é gente
que dança, que canta e ri)
em seguida,
conecte o desejo amoroso
pela natureza e
escolha ser feliz
depois, num pliê
ou numa agachadinha
sem vergonha
prepare o salto até a vulnerabilidade
e com um pouco de fé em si
se lance para o carinho
por último,
segure firme nas mãos es
colhidas
e com ajuda de amor
tecimento ater
rise
e solte o riso
limão maduro é fácil
de colher
al!ne monteiro é a poeta selecionada para a coletânea de abril. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.
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