5 poemas terrosos de Aline Monteiro

Editorial Fazia Poesia
Fazia Poesia
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4 min readApr 12, 2023

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Foto por @88milimetros (Cléber Cardoso)

al!ne monteiro é artista do corpo e da palavra. É mestre em Estudos Literários e professora de inglês no IFPB. Engatinha catando as letras que encontra, leva à boca e as experimenta, combina seus sabores e as cospe em versos. Busca descolonizar seu corpo-território para (r)existir no mundo.

Uma poesia inquieta:

“chá de camomila
chamo Xangô
peço que seu machado
não falhe
choro como fosse
chuva
chove como fosse
março”

O verbo feito carne.

Retirar o véu do que nos cerca e desnudar o divino
no humano.

O Sopro
divino desce

Uma daquelas coisas do ar
que a chuva traz à terra como cantava Raul
ao perder o medo da chuva.

Dona de uma poesia forte e terrena. A poeta Aline Monteiro nos convida a ceifar as ilusões do cotidiano, as certezas, as ideias que temos
dos outros. De nós mesmos.

São versos curtos. Diretos.
Brincadeiras rítmicas, visuais e simbólicas.
Composições que vieram do estudo
e do dislumbre
de contemplar o divino

no todo.

“ desmancho-me
em som
pulso nas ondas
que cismam
repetir ci
clicamente
morro pra nascer
minguo pra encher
vibro para ser”

Poesia para ler em voz alta.
— e se deixar levar, e alterar
pelo passeio.

Um mergulho no si mesmo da poeta
e de quem lê. Alguns dos poemas que separei
são daquele tipo de poema
que não termina
fica algo
pairando no ar

Respire
Olhe pra cima
Consegue sacar?

Venha, junte-se à mim!

vamos

nos desmanchar com a poesia:

[sem título]

Tento enxergar a
beleza do mundo
Mas meu olhos-foice
cortam baixinho
todas as flores do caminho

silêncio é faca

faça o que fizer depois
o corte está posto

- fui eu quem cortei -

se soubesse que calarias
teria perguntad0o mesmo assim

algo em mim não sustenta mais

já faz anos que me queres
mas não queres responsabilidade
fingir que não se importa já não convence

conheço o que vejo nos espelhos envidraçados das paredes
e conheço o que reflete nos corações emoldurados em costelas e íris

a vida ensina

não é mais o medo que me olha de volta
reconheço os olhares refratados

onde encontro cama, me deito
empresto espaço também

não cobiço muito
peço pelo justo

o demais me afoga

a palavra
me basta

Nasço sonho

gestando a mim
mesma,
fecundei
me úmida
embebida em
desejo

desde então alimento
meu sonho-ser
no parto
não me deixo
molho cada
passo-Oxum
deslizo em
minhas carnes
acolho o
vermelho do
caminho como se nele nadasse

desmancho-me
em som
pulso nas ondas
que cismam
repetir ci
clicamente
morro pra nascer
minguo pra encher
vibro para ser
sim
sinto
soul
sonho

(res)piro

depois de
um dia como hoje
me parece saudável descanso
ler poesia
e dormir

peguei a ana
abri
no primeiro verso li
“tarde da noite recoloco a casa toda em seu lugar”
antes que meus olhos chegassem à linha que seguia comecei a escutar
I can’t breathe
I can’t breathe

virei a página
deve ser o tema que me
traz trauma
tentando ficar calma
comecei novo texto
“volta e meia vasculho esta sacola preta à cata de um três por quatro”
deu gatilho
e ainda que sozinha no quarto
eu ouvi
I can’t breathe
I can’t breathe

levantei
perturbada, agitada e sem
controlar a respiração
yoga pode ajudar a relaxar
depois de tanta postura
um cansaço se configura
penso que posso descansar
e deito

tentando fugir das
artimanhas ardilosas
da minha mente
trago à frente a
imagem de alguém
que quero bem
sonhando acordada
ainda afetada pela prática
fazemos yoga juntos e
esse alguém está aqui…
mas antes que me
pegue o sono
aquela voz
martela de novo
I can’t breathe
I can’t breathe

chá de camomila
chamo Xangô
peço que seu machado
não falhe
choro como fosse
chuva
chove como fosse
março

peço que o nosso cansaço
seque
e dentro de nossas
peles
possamos sonhar
com o sol que arde
em chamas
e que ele queime
a todos que
nos impedem de
respirar

instruções para colher limão

escolha pessoas estratégicas

para reconhecê-las,
analise o coração durante o abraço
(geralmente é gente
que dança, que canta e ri)

em seguida,
conecte o desejo amoroso
pela natureza e
escolha ser feliz

depois, num pliê
ou numa agachadinha
sem vergonha
prepare o salto até a vulnerabilidade
e com um pouco de fé em si
se lance para o carinho

por último,
segure firme nas mãos es
colhidas
e com ajuda de amor
tecimento ater
rise
e solte o riso

limão maduro é fácil
de colher

al!ne monteiro é a poeta selecionada para a coletânea de abril. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.

Publicado por

Yuri Lucena | Poeta e Assessor de Conteúdo no portal faziapoesia.com.br

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