5 poemas tecidos de Salma Soria
Salma Soria é designer de moda, escritora e poeta. Publicou os livros de contos Vestindo a roupa ouvindo a máquina e Muitas roupas aqui, ambos pela editora Penalux. Ganhou o prêmio Rio de Contos. Seu novo livro de poesias, Formas dissimuladas de dizer bom dia, recebeu menção honrosa no prêmio Ufes de literatura e está no prelo. Salma é mestranda em filosofia e mora no Rio de Janeiro.
Me vi aqui, refletindo sobre a confecção de poemas da Salma.
Não é necessário muito para perceber
que a técnica de composição poética
se-mistura-entrelaça-se com seu trabalho na moda.
Não entendo de moda. Nada.
Me visto mal e barato.
“Cuidado com todas as atividades que requerem roupas novas em vez de um novo usuário das roupas.”
Trago algumas poucas máximas do menino Thoreau
em meu subconsciente.
Essa, em especial, ficou saltando em minha mente
enquanto tentava pegar o
fio da
meada
dos poemas que selecionei para esta coletânea.
São cinco poemas curtos. Lendo-os em sequência,
mais uma vez tenho a sensação de que estão todos
unidos, há algo que percorre e se mostra de novo,
e sempre de forma nova, à medida que avançamos.
As técnicas de corte e costura aparecem
como movimento. Ato. Descrição da feitura poética.
Cada poema de estrofe única parece fazer um convite
à reinvenção de quem lê (ou escreve).
Houve um tempo no qual não só as vestimentas, mas também os tecidos, eram feitos no lar. Houve um tempo no qual chineses foram viciados em ópio, para a expansão da venda de tecidos e do maravilhoso livre mercado bretão. Houve um tempo em que poemas e pessoas eram apenas pessoas e poemas. Não indústria. Não produto. Poesias e roupas, uma dança entre o necessário e o vazio. O gesto. O verbo. Para os gregos, as moiras fabricavam-teciam-cortavam o destino de deuses e de homens.
E, por falar em cortar, cito também João Cabral (sim, o Neto.)
Até qual forma é possível trabalhar a forma, mas:
“Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.”
Ao peso, sempre, das mãos
enormes.
Vestidosaiajaquetacalça
Tem dias que não sei o que dizer
nenhuma palavra adianta
aí visto uma roupa
de estranho combinado
e entendo o que queria
extrapolar a palavra
me olhar no espelho
como estranho vernáculo
costurado na roupa testemunha
o invisível da linguagem
Pesponto
Saltam dos dedos
as sirenes das linhas e agulhas
enquanto alinham
sob o tecido recortado
a parede reproduz
a sombra do ato
código roupa fecundada
pespontopespontopesponto
e
arremate
Decote costas
De costas para este poema
vejo a fenda
atiçando o fonema
cócegas
sinto a pena
que rema
aproximando
na margem
flutuando
o esquema
não sei que roupa usar
para esconder
a quina deste tema
corre pela fresta
l e v i t a
gargalhada
cobre a pele
descostura o ponto
recua a bainha
fim da cena: .
Insônia
Debaixo do colchão
um bocejo escorre
na periferia da retina
várias coisas não dormem
tantos caules, folhas murchas
dissidências amorosas
suas fraturas expostas
não pareceriam plantas
outro tempo
senão cama
das nossas sombras?
Tamanho único
Há de se incluir no mundo veste tamanho único
que seu tecido ofereça abrigo seguro
nas dores profundas causadas pelo consumo
[pessoas não são indústrias]
há de se incluir no mundo veste tamanho único
que estampe a rota para o fim das misérias — inúmeras
[pessoas não são indústrias]
há de se incluir no mundo veste tamanho único
que cubra os trabalhadores com dignidades
[pessoas não são indústrias]
há de se incluir no mundo veste tamanho único
que consolide direitos trabalhistas e humanitários
e não a transformem
na moda que envelhece mais a cada estação
[pessoas não são indústrias]
[pessoas não são indústrias]
[pessoas não são indústrias]
Salma Soria é a poeta selecionada para a coletânea de junho. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.
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