5 poemas semiáridos de Pók Ribeiro
Pók Ribeiro é poeta semiárida que produz com outras mulheres, num constante exercício poético-político de dizer e ser em dissidência. É também membra coordenadora do Coletivo Vozes-Mulheres: além das margens, pesquisadora da poética de mulheres do semiárido baiano, membra do Portal Fazia Poesia e uma das colaboradoras da Escritas em revoada, coluna da Revista Ruído Manifesto. Integra ainda a produção poética coletiva LiterÁridas (2021) e Úmidas (2022) e em produção solo publicou Pedilua (2017), Endométrio (2019) e Os Dedos de Maria (2022). Como parte dos processos múltiplos de ser, tem experimentado a prosa como quem tateia o chão e constrói asas.
E então plana nesse ar quente e seco do sertão baiano-pernambucano por onde habito. Me escondo. De Deus e de Mim.
Prepara-te pra uma poesia Seca e Certa, mas ao mesmo tempo Lunar. Água. Que encanta e acalanta as próprias dores, as próprias penas o próprio ser tão mulher nesse momento histórico árduo, principalmente pra quem é arte. Pra quem insiste em continuar na luta, no verso, na quebra do
ritmo
e da rima
e dar a cara a tapa
enquanto destila
o tempo
que corre para o abismo conosco
enquanto lemos estes cinco poemas…
“Essa Poesia morde,
faz esfolo e arrelia,
mas não assopra.
Ela voa
e eu vou com ela!”
maria imaculada
Trans- gres-são!
Eu desafio as mães e seus refogados suculentos de domingo;
Eu refuto as avós e suas crenças alquimistas;
Eu desafio os dentes, seus esmaltes e bons modos;
Eu desafio os padres, seus sermões e excomungos.
Transgrido numa alegria descomunal,
De quem sabe o risco
E
A delícia
Das frutas — e misturas-
Proibidas.
Verso solto
Na Poesia há uma palavra que me corta,
me escanteia do banquete
e
faz minha silhueta torta.
Na Poesia há um ângulo que me veta,
me (re)edita do cartão postal
e
faz de meu perfil uma tentadora incógnita.
Essa Poesia me dispensa dos (des)serviços patrióticos,
me liberta dos rótulos genéticos
e diz,
com dedo apontado em minha cara,
que eu não sou vista no retrato
que pintaram da cidade.
Essa poesia é minha cara
— e me é cara -
ela não se apraz no regalo do poder,
não bebe cuspe requentado
em brasa morna
e
nem come lero do discurso colonizador
dos coronéis.
Essa Poesia morde,
faz esfolo e arrelia,
mas não assopra.
Ela voa
e eu vou com ela!
Da inútil e constante certeza de ser só
Ainda que uma pinscher me lamba e acolha minhas lágrimas numa noite de sexta,
estou só.
Mesmo que os gatos se enrosquem em minhas pernas e abanem
minhas rugas
com seus rabos placebos,
estou só.
Apesar do tanto,
na hora da dor, do sangue, do medo, do peito esmagado
é só o meu corpo,
esse castigado pelas mazelas
e essa alma
perdida na estação rodoviária
às 4:15 AM.
é só
e só.
Manchete
E no outro dia,
A minha cara no jornal tava escrachada, Minha boca de batom pisoteada
No asfalto que o homem construiu.
Naquele dia, depois do outro,
Minha palavra, na notícia, tava trocada,
No meu lábio uma farpa atravessada
Da manchete que o homem publicou.
Veio outro dia,
Outro jornal
E mais um homem,
Que minha cara amassou, no folhetim.
Disse verdades, todas dele
E dos seus outros.
Esqueceu a Bruna, a Katarine,
A Gislaine e Mariele,
Não viu o sangue,
Não ouviu o grito,
Não leu o verso
Que arrebentou.
No outro dia, não era eu
Era a luta, no verso torto que ecoou.
Éramos nós!
Pók Ribeiro é a poeta selecionada para a coletânea de julho. Para acessar as outras edições, basta clicar aqui.
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